sábado, 14 de maio de 2011

Senso de direção


Muito pequena, fui morar com minha avó e minha tia numa casinha assobradada perto da Serra da Cantareira. Nos fundos não havia muros entre os quintais, uma vez que as outras casas também pertenciam a outros membros da família. Lá apareceram duas grandes gatas grávidas. Deram à luz dez gatinhos no total. Eu fiquei simplesmente apaixonada por tantos filhotinhos e dei nome a cada um deles. Mas era tanto gato, tanto gato, que um dia meu tio se cansou. Pegou as gatas, a filhotada toda e colocou num grande saco ( o tal saco já não sei se é memória ou criação), pegou seu Jeep e os levou para bem distante. Chorei até desanimar. Dois dias depois lá estavam de volta as gatas e todos os gatinhos. Que alegria, a minha! Porém, se as gatas eram espertas, meu tio era mais ainda. Colocou-os todos de novo no saco e no Jeep e os levou tão longe, tão longe que nunca mais voltaram. Passei parte da minha infância olhando para todos os gatos imaginando se não seriam aqueles perdidos.
O que ninguém poderia suspeitar foi o terror que isto causou em mim. Se jogavam filhotes, obviamente para qualquer mentalidade lógica, a próxima seria eu. Comecei a tecer estratégias e planos para voltar para casa quando me deixassem em algum lugar. Como aprendi a ler bem cedo, observava bem os nomes dos ônibus e seus roteiros, guardava em minha pequena bolsa todas as moedas que ganhava para ter dinheiro suficiente para pagá-los se necessário fosse e tinha certeza que seria. Aprendi com João e Maria - e ainda tinha esta história a me confirmar - a fazer marcações pelos caminhos.
Quando adulta contei minhas fantasias ficaram todos muito indignados por eu pensar que poderiam me abandonar e por achar que eu valia tanto quanto gatos sem raça definida. Quanto aos gatos, não sei se humanos podem superá-los, mas que me ajudaram a construir um senso de direção apurado, lá isso ajudaram. Sei ir e vir como poucos, ao ponto de amigos desligarem o GPS por confiarem em minhas instruções. Graças aos bichanos perdidos de minha longínqua infância virei o Guia Cassioplan de ruas e trajetos de ônibus. Saldo positivo de uma triste história...

Um comentário:

Clarissa Barth disse...

É verdade, adoro dirigir com o Guia Cassioplan...que além de indicar caminhos ainda conversa! ;)

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