sexta-feira, 30 de setembro de 2011

À velha Senhora do Vale






Do útero da terra brotou um pássaro,
Um portal teceu no céu.
Do útero da terra brotou um raio,
Um rio rasgou no chão.
Do útero da terra brotou um colo,
Escada e manhã cresceram ao vento.
Sol, pólen, nascentes tornam-se travesseiro e chuva.
Tocam estrelas com mãos e nuvens.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O Quadro de Pano








Existem histórias que falam de verdades tão profundas que nos comovem só em ouví-las.
Esta encontrei num pequeno livro de Jette Bonaventure, "O que conta o conto". É uma história
tibetana muito bela e que nos traz ventos de transformação.





Era uma vez, em uma região árida no pé das montanhas uma pobre viúva que tinha três filhos. O maior não prestava para grande coisa e tão pouco o segundo. O caçula que era filho carinhoso e trabalhador que sempre procurava ajudar a mãe no que podia. A mãe ficava tecendo o dia todo. Levava seus tecidos prontos para a feira de uma cidade vizinha, recebendo em troca dinheiro suficiente para comprar comida para ela e para os filhos. O caçula costumava catar lenha em uma floresta próxima, enquanto os outros dois irmãos ficavam espreguiçando-se ao sol, esperando que mãe providenciasse comida. Um dia mãe acabou de vender seus brocados um pouco mais cedo que o de costume e foi então dar uma volta pela ferira. Seus olhos pousaram numa linda tela pendurada numa loja. Era um quadro reproduzindo uma montanha parecida com a que havia atrás de sua aldeia. Só que perto dela, em vez de cabanas pobres, havia um grupo de lindas casas limpinhas. Entre elas, a mais bonita, era uma casa de andares, situada no meio de um jardim atravessado por um riacho prateado que formava um pequeno lago no qual se agitavam peixinhos vermelhos. Aves de galinheiro ciscavam aqui e acolá e belas ovelhas brancas pastavam nas ladeiras das montanhas. Campos de milhos dourados se estendiam a perder de vista. Culminando esta tela idílica, havia no topo da montanha, um grande sol de fogo. A mãe ficou pasma com a beleza do quadro e não se cansava de olhá-lo. Tirou todo o dinheiro que tinha no bolso e que acabara de receber pelos próprios tecidos e comprou o quadro. “Só uma vez”, pensava, “não será tão terrível. Na próxima vez comprarei alguma coisa melhor para os meus filhos”. No caminho, parava de vez em quando para desenrolar o quadro e admirá-lo. Como as casas brilhavam! Como o riacho cintilava! Tendo até impressão de que podia sentir o perfume das flores que embelezavam o jardim. Nunca tinha se sentido tão feliz em toda a sua vida.
Em casa, a mãe pendurou o quadro perto da porta. Não conseguia tirar os olhos de lá. Os dois filhos maiores resmungaram e acharam ridículo gastar tanto dinheiro só para comprar um quadro. Mas o caçula declarou: “Gostaria que você tivesse uma casa parecida com a desse quadro, mamãe. Com um jardim igualzinho. Se eu fosse você, teceria um quadro de pano usando esse aqui como modelo. Enquanto você estiver tecendo a casa, as flores, o riacho e as galinhas, você terá a impressão de já ser dona de tudo isso.”
– Não fique pondo essas idéias na cabeça da mamãe! Se ela começar a tecer por prazer onde é que nós vamos encontrar dinheiro pra viver?”
– É claro, se a mamãe quer viver como uma grande dama, que espere pela outra vida.
No entanto, a idéia do filho caçula a seduzia.
– Não temam meus filhos, que eu vá prejudicá-los. Vou tecer à noite e de manhazinha para meu prazer e o resto do dia para alimentá-los. Até agora alimentei vocês e vou continuar fazendo.
Então, ela comprou os fios mais lindos e se pôs a tecer.
A mãe passou um longo ano, sentada, tecendo. De noite acendia uma tocha cuja fumaça provocava lágrimas em seus olhos. Uma a uma, as gotas cristalinas caiam sobre o pano que estava tecendo e ela, as ia incorporando ao quadro. Foi assim que teceu o lago e o riacho, com suas lágrimas. No segundo ano os pobres olhos da mãe estavam tão irritados que até sangravam, e eram lágrimas vermelhas que caiam sobre o brocado. A mãe as ia incorporando ao quadro, tecendo flores vermelhas e o sol, que iluminava o céu. No terceiro ano o quadro estava terminado. Continha tudo o que estava no modelo: uma região cheia de verduras no pé da alta montanha, casinhas que pareciam de prata, campos de milho dourado, jardins com legumes, árvores frutíferas, arbustos floridos, e, na beira da aldeia, no lugar da pobre cabana da mãe, havia uma grande construção, com colunas vermelhas, portas amarelas e telhado azul. Atrás da casa, nas ladeiras verdes da montanha, pastavam ovelhas, búfalos e vacas. Pintinhos amarelos e patinhos brincavam na grama e pássaros cruzavam o céu em vôo rápido. Em primeiro plano havia um jardim cheio de árvores e flores brilhantes e no centro um laguinho com peixinhos vermelhos. Um riacho prateado atravessava os campos de arroz. Atrás da aldeia, havia campos de milho dourado e, bem acima, um sol de cobre que brilhava num céu azul.
A mãe enxugou os olhos avermelhados e exibiu um sorriso de satisfação.
– Venham ver como está bonito, meus filhos!
– Quanto dinheiro dariam por isso, heim. Se você o vendesse... – disse o filho mais velho.
– Por uma coisa assim você poderia ganhar uma bela soma! – completou o do meio.
– A nossa mãe construiu uma casa de seda para nós, vamos contemplá-la! Vivemos nela em pensamento!
– Teci este quadro para o meu prazer e não quero vendê-lo, mas aqui na penumbra não se enxerga muito bem tudo o que há nele. Vamos levá-lo para fora, para a luz do dia.
A mãe pendurou o quadro fora da casa e todas as cores ficaram mais intensas. Lá, à luz do dia, é que se podia ver realmente o quanto era bonito o quadro. Os vizinhos vieram admirá-lo e cada um cumprimentava a mãe que sorria de felicidade. De repente, ela sentiu no rosto a carícia de uma brisa leve. O pano de seda balançou. Um vento mais forte o sacudiu como um tapete do qual se tira o pó, e por fim, ele foi arrancado da porta de onde estava pendurado. Num instante, o quadro saiu voando pelos ares. A mãe deu um grito e desmaiou. Os filhos procuraram por toda redondeza, mas ninguém encontrou o quadro de pano da mãe.
Depois do sumiço, a mãe começou a vagar como uma alma penada. O caçula tentava consolá-la como podia, preparando sopas de gengibre, mas a mãe ia definhando rapidamente. Depois de algum tempo, a mãe falou para o filho mais velho:
– Filho, se você quer que eu viva, vá procurar o meu quadro de pano e o traga de volta. Sem ele é como se eu tivesse perdido uma parte da minha vida.
O filho calçou suas sandálias e saiu em direção ao leste. Andou meses a fio até chegar a um desfiladeiro onde havia uma casinha de pedra. Na frente da casa havia um cavalo esticando pescoço em direção a uns morangos.
– Por que o cavalo não come os morangos? Por que será que ele fica assim esticando o pescoço e de boca aberta?
Ao se aproximar constatou que o cavalo era de pedra. Ficou muito surpreso com isso. Enquanto estava lá, contemplando o cavalo, estarrecido, uma velha sorridente saiu da casa de pedra.
– O que você está procurando, meu filho?
– Eu estou procurando um quadro de pano que nossa mãe teceu. Nele tinha... minha mãe tinha reproduzido um paisagem... uma casa, um riacho, um jardim, aves, o sol, flores... Olha, pra ela fazer este quadro não comemos bem durante anos. Mal ela acabou de tecê-lo, o vento o levou Deus sabe pra onde. Mamãe me pediu para procurá-lo. Por acaso não sabe onde ele está?
– Sim, sei. Foram as fadas da montanha ensolarada que pegaram emprestado o quadro. Querem usá-lo como modelo para tecerem um brocado igualmente bonito.
– Fico feliz em saber para onde dirigir meus passos para reencontrá-lo. A senhora poderia me indicar o caminho da montanha ensolarada? Quero ir logo lá, assim vou ficar tranqüilo.
– É fácil dizer, mas difícil de realizar. Só se pode chegar lá montado neste cavalo aqui.
– Mas este cavalo é de pedra!
– Pouco importa. O cavalo voltará à vida assim que você implantar seus dentes nas gengivas dele, para que ele possa comer os morangos. Se você quiser, eu te ajudo a arrancar seus dentes com aquela pedra. Mas isso não é nada. O cavalo fará você atravessas as chamas de um vulcão e o gelo de uma geleira. E só depois, além do mar, você vai encontrar a montanha ensolarada e as fadas. Agora, se durante o percurso, você suspirar uma vez apenas, as chamas vão reduzi-lo a cinzas. Os pedaços de gelo da geleira vão quebrá-lo todo e as ondas do mar vão afogá-lo.
O filho mais velho recuou dois passos olhando para o caminho por onde tinha vindo.
– Se você não estiver disposto, não se esforce. Melhor voltar para casa. Eu vou lhe dar uma caixinha cheia de moedas de ouro para a sua caminhada.
– A senhora vai me dar, sem mais nem menos, essas moedas? Sem nada em troca?
– Sim! Assim por nada. Ou, se você quiser, para que você coma e não sinta fome.
– Hum... De fato, é verdade. Eu prefiro voltar pra casa. – Pegando as moedas de ouro e sumindo pelo mesmo caminho do qual tinha vindo. – Para uma pessoa apenas essas moedas são suficientes. Mas para quatro, são poucas. É melhor eu ir à cidade do que voltar pra casa. Vou viver como um senhor. – E tomou o caminho que levava à cidade.
Vendo, com o tempo, que o filho mais velho não voltava, um dia a mãe falou para o segundo filho:
– Seu irmão está viajando Deus sabe onde. Sem dúvida se esqueceu de nós. Vá, meu filho, vá ver se encontra meu belo quadro de pano.
O filho do meio calçou suas sandálias e se pôs a caminho. Andou um dia, uma semana, um mês e chegou à casinha de pedra. Viu o cavalo de pedra esticando o pescoço em direção aos morangos. A velha apareceu à porta, perguntando:
– Que bons ventos o trazem por aqui, meu filho?
– Estou procurando um quadro de pano que minha mãe teceu... O vento o levou.
– Seu irmão mais velho já passou por aqui, mas teve medo de reconquistar o quadro de pano, porque teria que atravessar chamas e geleiras montado naquele cavalo.
– Mas é um cavalo de pedra!
– Se você me deixar arrancar seus dentes com uma pedra, para implantá-los no cavalo ele reviverá. Comerá os morangos e poderá levá-lo até as fadas da montanha ensolarada que lhe irão devolver o quadro.
– Há! Era só o que me faltava! Deixar extrair meus dentes! Prefiro voltar pra casa!
– Neste caso, vou lhe dar um cofrezinho cheio de moedas de ouro. Seu irmão também as recebeu.
– Ah... Então foi por isso que meu irmão não voltou pra casa. E fez bem! Aproveitou melhor o seu dinheiro em outro lugar.
Então o irmão do meio pegou a caixinha com as moedas de ouro que lhe oferecia a velha e agradeceu educadamente, pensando em sumir o mais rapidamente de lá e ir direto à cidade.
– Ulula! Agora eu vou aproveitar a vida! Por que eu iria repartir com os meus irmãos?
Ao cabo de um mês a mãe chamou o caçula e lhe disse:
– Filho, me sinto fraca como uma mosca e se não encontrar o meu quadro, creio que não vou resistir por muito tempo mais. Meus dois filhos maiores devem estar passeando quem sabe onde! Sem dúvida se esqueceram de nós. Em você sempre tive mais confiança. Vá a procura de meu quadro!
O filho caçula calçou suas sandálias e partiu. Chegou ao desfiladeiro em frente a casinha de pedra e do cavalo de pedra com a cabeça esticada para os morangos. Na porta da casa se encontrava a velha que parecia esperar por ele. Ela o recebeu dizendo:
– O caminho que leva para o quadro de pano é difícil. Os seus irmãos maiores preferiram receber de mim uma caixinha com moedas de ouro e ir gastá-las na cidade.
– Eu não temo nada! Eu não preciso de ouro! As moedas de ouro não irão devolver a saúde à minha mãe. Mas que devo fazer eu para recuperar o quadro de pano?
A velha explicou ao caçula o caminho que atravessava as chamas e o gelo. Também lhe disse que poderia reanimar o cavalo se arrancasse os próprios dentes e os implantasse na boca do cavalo. Mal acabara de lhe dar esta explicação, o rapaz já tinha apanhado uma pedra, quebrando seus dentes e implantado na boca do cavalo. O cavalo se reanimou, comeu os morangos e o rapaz montou nele partindo imediatamente.
– Não se esqueça: não pode dar nenhum suspiro! Mesmo que as chamas estejam queimando você ou o gelo ferindo seu corpo se não você vai morrer.
Ofegante, o moço cavalgava cada vez mais para o interior do rochedo até chegar a um lugar cheio de chamas que saiam das entranhas da terra. As chamas o queimavam, mas ele não deu nenhum suspiro. Já estava achando que as chamas iriam acabar com ele, quando o cavalo deu um grande salto e eles foram parar num caminho bem estreito e bem sombrio. Incitando depois, de novo, o cavalo, para continuarem a corrida. Andaram assim por muito, muito tempo, até que o rapaz começou a sentir um ar gelado. Ao longe, ouvia-se um barulho estrondoso. Mas uma vez deu uma esporada no cavalo. Corriam como o vento quando de repente o caminho estreito entre as rochas se abriu. O cavalo parou de supetão. O rapaz começou a tremer de frio. Olhando em volta, até onde a vista podia alcançar, só se via gelo. Era uma imensa geleira com enormes icebergs ameaçadores que se chocavam com grande estrondo. Do outro lado da geleira, avistava-se bem longe, uma alta montanha verde.
– É a montanha ensolarada! Rápido cavalo! Estamos quase chegando!
O cavalo, sem hesitar, jogou-se nas ondas geladas. Aquele gelo movediço queimava e feria a pele do cavaleiro, mas o rapaz serrou a boca e não deixou nenhum suspiro escapar de seus lábios. Quando já estava quase se afogando, o cavalo conseguiu alcançar a margem. O bom sol secou as roupas, secou as feridas e, antes que ele pudesse compreender o que se passava, já se encontrava no topo da montanha.
Diante de seus olhos, brilhava um palácio de cristal e, vindos do jardim, ouviam-se risos e cantos de umas jovens. O rapaz entrou pelo portal de honra do pátio e apeou do cavalo. Viu à sua frente um grupo de belas moças ocupadas em tecer um pano. No meio delas encontrava-se o quadro de sua mãe. Ao perceberem o rapaz as moças abandonaram seus teares e vieram ao seu encontro, rindo. Uma delas, bem miudinha, com um vestido vermelho encantou-o particularmente. A seguir, uma bela dama aproximou-se do rapaz. Ela usava um vestido brilhante como os reflexos do sol no mar. Seus cabelos compridos estavam presos por um pente de ouro.
– Sou a rainha das fadas. Nunca ninguém vem aqui. Por que você empreendeu esta viagem tão cheia de perigos?
– Vim a procura do quadro de pano de minha mãe. O vento trouxe-o até vocês e minha mãe ficou doente por causa disso.
– Não foi por mero acaso que o vento levou o quadro de pano de sua mãe, fomos nós que ordenamos que ele fizesse isso. Queríamos nos servir dele como modelo para tecermos também um lindo quadro. Se você puder emprestá-lo por mais esta noite, amanhã poderá levar embora. Enquanto isso você é nosso hospede.
O rapaz parecia viver um sonho. As fadas o rodearam rindo e fizeram com que ele provasse o néctar e a ambrosia, como convém aos imortais. Logo em seguida continuaram seu trabalho. Ficaram tecendo a tarde toda. Ao cair o crepúsculo, suspenderam no teto uma pérola que brilhava na noite para poderem continuar tecendo até meia-noite. O rapaz estava esgotado de tantas emoções e adormeceu sem perceber. Enquanto isso, as fadinhas acabavam, uma após outra, seu trabalho no tear, indo se deitar. Somente a mais jovem ficou acordada, aquela que tinha agradado ao rapaz à primeira vista. Ela ficou olhando o quadro da mãe. Nenhuma fada tinha conseguido tecer um quadro tão lindo como aquele. Nenhum riacho brilhava tanto como aquele que tinha sido tecido com suas lágrimas e, nenhum sol queimava tanto quanto ao que fora tecido com as lágrimas do sangue dela. A jovem olhou o rapaz adormecido e teve uma idéia. Pegou um fio e bordou no quadro da mãe uma fadinha de vestido vermelho, em pé, perto do lago, olhando para os peixes vermelhos.
O rapaz acordou a meia-noite, a sala estava vazia. Só havia lá o quadro tecido por sua mãe. Ficou um pouco admirado e depois pensou:
– Por que esperar até amanhã? Minha mãe está doente e seu estado piora a cada dia.
Enrolou, pois, o pano, colocou o casaco, montou no cavalo e se pôs a caminho. Foi em vão que as ondas do mar lançaram nele os maiores gelos e que as chamas do vulcão tentaram engoli-lo. O rapaz não deu suspiro nenhum e, antes que pudesse se dar conta, estava na frente da casinha de pedra. A velinha já estava espiando sua chegada pela porta.
– Estou feliz de vê-lo de volta, rapaz. Você é um menino bom e valente. Você conseguiu o que queria. Vou devolver-lhe seus dentes.
Retirou os dentes do cavalo e os re-implantou na boca do rapaz. No mesmo instante, o cavalo virou pedra.
– Pegue estas sandálias de pele de cervo. Ao calçá-las você retornará à sua casa no mesmo instante.
O rapaz agradeceu muito a boa velha por sua ajuda, calçou as sandálias de pele de cervo e, sem saber como, foi parar na frente da casa onde tinha nascido. Uma vizinha aproximou-se ao vê-lo chegar. De cabeça baixa, disse a ele:
– É bom que você tenha voltado, ninguém sabe o que vai acontecer com a sua mãe. Não sai mais de casa e enxerga cada vez menos.
O rapaz entrou correndo em casa, gritando:
– Olhe mamãe! Olhe logo! – E mostrou o pano que tinha guardado em baixo do seu casaco. O quarto se iluminou todo quando ele desenrolou o brocado.
Mas a mãe não respondia. Desesperado, o rapaz a procurou pela casa até vê-la, deitada no chão. Abraçou muito forte seu corpo, deitou-a na cama e chorando, olhou para o quadro de pano. Nesse momento, como por mágica, a mãe despertou.
Quando ela percebeu que seu filho tinha trazido seu quadro de volta deu um grito de alegria, no mesmo instante estava curada. Pulou fora da cama, surpresa ao ver as forças lhe voltarem. Olhou para o quadro e, de repente, estava enxergando muito bem. Depois rogou ao filho:
– Leve o quadro para fora, filho, para eu poder vê-lo melhor.
O filho levou o quadro até a luz exterior e o desenrolou. As cores brilhavam. De repente, houve uma ventania e o quadro foi se desenrolando mais longe, cada vez mais longe, até cobrir toda a paisagem em volta. Tão longe quanto se podia enxergar viam-se campos de milho dourado, manadas de ovelhas, nuvens de pintinhos amarelos correndo por todo lado, no meio de patinhos. Um belo jardim atravessado por um riacho e as mais lindas flores. Tudo na natureza era como no quadro. Das casinhas prateadas saiam, agora, os vizinhos maravilhados, não acreditando no milagre.
O filho pegou a mãe pela mão e a levou para o jardim. Foram devagar em direção ao lago, não se cansando de ver tantas maravilhas. De repente, o rapaz parou estupefato, o coração batendo a mil por hora. Perto do lago estava a fadinha miudinha de vestido vermelho a lhe sorrir.
– De onde você vem?
A mocinha pôs-se a rir, piscando os olhos. – Eu me bordei no quadro de sua mãe e você me trouxe junto. Já que o brocado tomou vida, meu lugar também é aqui.
A mãe olhou muito feliz: – Temos agora uma grande casa, com uma filha que me fazia falta!
A fada olhou para o rapaz e se aproximou dela: – Você me aceita como esposo?
Ela respondeu que sim, com um leve sinal de cabeça. Houve uma grande festa de casamento. Além dos vizinhos, a mãe convidou os mendigos da região. Os irmãos maiores souberam de tudo. Já fazia muito tempo que haviam gasto todas as moedas de ouro e, como estavam acostumados a serem alimentados pelos outros, tornaram-se mendigos. Mas, quando chegaram na casa e viram as mudanças que ali aconteceram, tiveram vergonha de suas roupas esfarrapadas e preferiram não entrar. Foram embora, perdendo-se no mundo.
O caçula, ao lado da mulher fada e da mãe viveu feliz por muito tempo, numa região rica e ensolarada. E essa família nunca mais deixou de acreditar nos seus sonhos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Nasrudin aprende a falar com Deus

Vale a pena aprender esta lição...


Nasrudin, certa vez, estava sem um burrico que o ajudasse em seus afazeres.
Desesperado, sem ter meios de encontrar um, começou a orar, pedindo a Deus que lhe enviasse um burrico. Rezou por algum tempo e, certo dia, ao andar por uma estrada, deparou-se com um homem montado num burrico e atrás levava um outro burrico mais jovem. Nasrudin aproximou-se do homem e este lhe disse:
- Mas que vergonha, eu estou trazendo um burrico de tão longe, estamos todos esgotados, e aqui está este homem descansado, sem fazer nada!
E ameaçando-o com uma espada, completou:
- Vamos! Coloque o burrico nas suas costas e venha comigo até a próxima cidade!’
Nasrudin, com medo não disse nada, simplesmente colocou o burrico em suas costas e seguiu o homem. Andaram por várias horas e Nasrudin estava exausto de tanto peso. Ao entardecer, chegaram na cidade mais próxima e o homem simplesmente fez Nasrudin descer o burrico das suas costas e seguiu adiante, sem sequer agradecer.
Nasrudin ergueu os seus olhos para o céu e disse:
- Está bem, Deus. Aprendi a
  minha lição. Na próxima vez serei mais específico...

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O Urso da Meia Lua

Todo contador de histórias tem suas preferidas. Estas, as que fazem mais sentido para cada contador, são as que conta com mais prazer. O livro de Clarissa Pínkola me trouxe várias histórias muito queridas. Havia deixado de lado uma, muito especial e cheia de pistas de como lidar com nossa raiva. Há dias uma paciente me lembrou e eu a resgatei  como uma velha amiga...

O Urso da Meia Lua




Era uma vez uma jovem mulher que vivia numa perfumada floresta de pinheiros. Seu marido esteve fora, lutando na guerra, muitos anos. Quando ele afinal foi liberado, voltou para casa com o pior dos humores. Ele se recusou a entrar na casa pois havia se acostumado a dormir nas pedras. Ele só queira ficar só e permanecia na floresta tanto de dia quanto à noite.A jovem esposa ficou tão feliz quando soube que o marido estava afinal voltando para casa. Ela cozinhou e fez compras, e fez compras e cozinhou. Preparou pratos e mais pratos, tigelas e mais tigelas, de delicioso queijo branco de soja, três tipos de peixe, três tipos de algas, arroz salpicado com pimenta vermelha e belos camarões frios, grandes e alaranjados.Com um tímido sorriso ela levou os alimentos até o bosque e se ajoelhou ao lado do marido esgotado pela guerra, oferecendo-lhe a bela refeição que havia preparado. No entanto, ele se pôs de pé e chutou as travessas de modo que o queijo de soja caiu, os peixes saltaram no ar, as algas e o arroz caíram na terra e os grandes camarões alaranjados rolaram pelo caminho abaixo.Deixe-me em paz! - rugiu ele, voltando-lhe as costas. Ele estava tão furioso que ela sentiu medo. E afinal, em desespero, ela foi procurar a gruta da curandeira que morava fora da aldeia.- Meu marido foi ferido gravemente na guerra - disse a esposa. - ele sofre de uma raiva permanente e não come nada. Só quer ficar ao ar livre e não se dispõe a voltar a viver comigo. A senhora não pode me dar uma poção que faça com que ele volte a ser carinhoso e gentil?- Isso eu posso fazer por você - asseverou-lhe a curandeira. - Mas vou precisar de um ingrediente especial. Infelizmente, acabou todo meu pêlo de urso de meia-lua. Por isso, você deve subir a montanha, encontrar urso negro e me trazer um único pêlo da meia-lua que ele tem no pescoço. Depois, eu lhe darei o que você precisa, e a vida voltará a ser boa.Algumas mulheres teriam se sentido desencorajadas com essa tarefa. Algumas teriam considerado que todo esse esforço era impossível. Mas não ela, pois ela era uma mulher que amava.- Ah! Como lhe sou grata! É tão bom saber que existe uma solução.- E assim ela se preparou para a viagem e na manhã seguinte partiu para a montanha.- Arigato zaishö - dizia ela, o que é uma forma de cumprimentar a montanha e lhe dizer “Obrigada por me deixar escalar seu corpo”.Ela se embrenhou nos contrafortes, onde havia rochas semelhantes a grandes pães de fôrma. Subiu até um platô coberto de mata.As árvores tinham galhos longos e caídos e folhas que se pareciam com estrelas.- Arigato zaishö - entoou. Era uma forma de agradecer as árvores por erguerem seus cabelos para que ela pudesse passar por baixo. E assim ela conseguiu atravessar a floresta e começou a subir de novo.Agora estava mais difícil. A montanha tinha flores espinhosas que se prendiam na barra do seu quimono e rochas que arranhavam suas mãos delicadas. Estranhos pássaros escuros saíram voando na sua direção no crepúsculo, deixando-a assustada. Ela sabia que eles eram os muen-botoke, espíritos dos mortos que não tinham parentes. Ela entoou orações para eles.- Vou ser sua parenta. Vou dar-lhes descanso.Ela prosseguiu subindo pois era uma mulher que amava. Subiu até ver neve no pico da montanha. Logo seus pés estavam frios e molhados, e ela continuava a escalar, pois era uma mulher que amava. Começou uma tempestade, e a neve penetrava direto nos seus olhos e fundo nas suas orelhas. Mesmo sem ver, ela continuava a subir.- Arigato zaishö - cantou a mulher quando a nevasca parou, para agradecer aos ventos por terem parado de cegá-la.Ela procurou abrigo numa caverna rasa e mal conseguiu lugar para seu corpo inteiro. Embora tivesse uma bolsa cheia de alimentos, ela mão comeu, mas se cobriu com folhas e adormeceu. Pela manhã, o ar estava calmo e plantinhas verdes chegavam a atravessar aqui e acolá.- Ah - pensou ela. - Agora, ao urso da meia-lua.Ela procurou o dia inteiro e quase ao anoitecer encontrou grossos cordões de bosta. E não precisou procurar mais, pois um gigantesco urso negro passou pesadamente pela neve, deixando profundas marcas de patas e garras. O urso da meia-lua deu um rugido feroz e entrou em sua toca. A mulher enfiou a mão na trouxa e colocou numa tigela a comida que trouxera. Ela colocou a tigela do lado de fora da toca e voltou correndo para seu esconderijo. O urso sentiu o cheiro da comida e saiu cambaleando da toca, rugindo tão alto que pequenas pedras se soltaram do lugar. O urso fez um círculo em volta da comida de uma certa distância, farejou o vento muitas e depois comeu tudo de uma só vez; O enorme urso foi andando de ré e sumiu dentro de sua toca.Na noite seguinte, a mulher agiu da mesma forma, servindo o alimento na tigela, mas dessa vez não voltou para seu esconderijo, recuando apenas metade do caminho. O urso sentiu o cheiro da comida, saiu pesadamente da toca, rugiu para abalar os céus e as estrelas, deu uma volta, farejou o ar com extremo cuidado, mas afinal engoliu a comida e voltou para a toca. Isso continuou por muitas noites até que numa noite escura a mulher sentiu ter coragem suficiente para esperar ainda mais perto da toca do urso.Ela pôs a comida na tigela do lado de fora e ficou esperando junto à abertura. Quando o urso sentiu o cheiro e saiu, ele viu não só a comida mas também um par de pequenos pés humanos. O urso virou a cabeça de lado e rugiu tão alto que fez os ossos do corpo da mulher zumbirem.A mulher tremia, mas não recuava. O urso ergueu nas patas traseiras, estalou as mandíbulas e rugiu tanto que a mulher pôde ver vem o céu vermelho e marrom da sua boca. Mesmo assim, ela não saiu correndo. O urso rugiu ainda mais e estendeu seus braços como se quisesse agarrá-la, com suas dez garras suspensas como dez facas sobre sua cabeça. A mulher tremia como uma folha ao vento, mas permaneceu onde estava.- Por favor, meu querido urso - implorou ela. - Por favor, vim toda essa distância em busca de uma cura para meu marido. - O urso voltou as patas dianteiras para a terra fazendo voar a neve e olhou diretamente no rosto assustado da mulher. Por um instante, ela teve a impressão de ver cordilheiras inteiras, vales, rios e aldeias refletidos nos olhos vermelhíssimos do urso. Uma paz profunda caiu sobre ela, e seus tremores passaram.- Por favor, urso querido, eu venho lhe trazendo alimento todas essas noites. Será que eu podia ficar com um dos pêlos da meia-lua do seu pescoço? - O urso parou e pensou, essa mulherzinha seria fácil de devorar. No entanto, ele de repente se sentiu cheio de pena dela.- É verdade - disse o urso da meia-lua, sem afastar as garras da sua cabeça. - Você foi boa para mim. Pode ficar com um dos meus pêlos. Mas arranque-o rápido, vá embora e volte para sua gente.O urso ergueu seu enorme focinho para que aparecesse a meia-lua branca do seu pescoço, e a mulher viu ali a forte pulsação do seu coração. A mulher pôs uma das mãos no pescoço do urso, e com a outra segurou um único pêlo branco e lustroso. Rapidamente ela o arrancou. O urso recuou e gritou como se estivesse ferido. E essa dor assumiu a forma de bufos irritados.- Ah, obrigada, urso da meia-lua, muitíssimo obrigada. - A mulher se inclinou em reverência e voltou a se inclinar. Mas o urso rosnou e avançou um passo. Ele rugiu para a mulher com palavras que ela não entendia e, no entanto, palavras que de algum modo havia conhecido toda a vida. Ela se voltou e correu montanha abaixo com a maior velocidade possível. Ela passou correndo debaixo das árvores de folhas com formato de estrelas. E o tempo todo ela agradecia às árvores por erguerem seus galhos para ela passar. Ela veio tropeçando pelas pedras que pareciam grandes pães de fôrma, sempre agradecendo à montanha por deixar que ela escalasse seu corpo.Embora suas roupas estivessem esfarrapadas, seu cabelo desalinhado, seu rosto sujo, ela desceu a escada de pedra que levava até a aldeia, seguiu pela estrada de terra atravessando a cidade até o outro lado e entrou na cabana onde a curandeira estava sentada cuidando do fogo.- Olhe! Olhe! Consegui, encontrei, conquistei um pêlo do urso da meia-lua! - gritou a jovem mulher.- Que bom - disse a curandeira com um sorriso. Ela examinou a mulher atentamente, pegou o pêlo de um branco puríssimo e o segurou perto da luz. Ela sopesou o longo pêlo com uma das mãos e o mediu com um dedo e exclamou: - É! Este é um autêntico pêlo do urso da meia-lua. - De repente, porém, ela se voltou e lançou o pêlo no meio do fogo, onde ele estalou, pipocou e se consumiu numa bela chama laranja.- Não - gritou a mulher. - O que a senhora fez?- Fique calma. Está certo. Tudo está bem - disse a curandeira. - Você se lembra de cada passo que deu para conquistar a confiança do urso da meia-lua? Você se lembra do que viu, do que ouviu e do que sentiu?- Lembro - disse a mulher. - Lembro-me muito bem.- Então, minha filha - disse a velha curandeira com um sorriso meigo -, volte por favor para casa com seus novos conhecimentos e proceda mesma forma com seu marido.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Apolo e Dafne

Certo dia Eros atingiu ninguém menos do que o maravilhoso Apolo com uma flecha de ouro para que se apaixonasse pela ninfa Dafne.Por sua vez atingiu a ninfa com uma flecha de chumbo, o que a fez recusar o amor de Apolo., que passou a perseguí-la. Ao fugir desesperadamente do assédio do deus, clamou a seu pai, o rei Peneu, por auxílio e este a transformou numa bela árvore: o loureiro.  Apolo ficou desolado por perder sua paixão e fez que que o loureiro passasse a ser sua árvore sagrada, carregando consigo sempre um ramo de louros.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Nasrudin vive de pão e ervilhas

O homem sábio nos mostra que tudo é uma questão de escolha e princípios...


Nasrudin estava sobrevivendo de uma dieta miserável de ervilhas e pão. Seu vizinho, que também se dizia um homem sábio, morava num palacete e deliciava-se com refeições suntuosas oferecidas pelo próprio Imperador.
Um dia o vizinho interpelou Nasrudin:
- Se você ao menos aprendesse a bajular o imperador e ser subserviente como eu não precisaria viver de ervilhas e pão.
- E se você ao menos aprendesse a viver de ervilhas e pão como eu não precisaria bajular e ser subserviente ao imperador - respondeu Nasrudin

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Mother Maya no Matutu


Estar no Matutu é sempre muito bom. Desta vez não foi diferente. Com direito à surpresas e tudo o mais. Na quinta à noite Vera, uma grande amiga do Cândido, um dos donos da pousada, foi até lá para nos convidar para um encontro com Mother Maya. Mestra hindu que corre o mundo para falar de "Living Ahimsa", viver a não-violência, em primeiro lugar fazer isto consigo próprio. Na tarde de sexta houve um Encontro para as mulheres do Vale no qual Mother Maya nos falou da importância de nos conectarmos com nossa ancestral sabedoria interior para nos equilibrarmos e nos curarmos. Emocionante ver tantas fortes e belas mulheres reunidas em torno da Mestra e depois compartilhando histórias e os maravilhoso quitutes que trouxeram para o lanche comunitário. Especialmente tocante foi o abraço que a Mãe deu nas duas mulheres que nasceram ali mesmo no Matutu e nunca haviam pensado em encontrar uma mestra hindu pelo caminho.
À noite o Encontro foi aberto e Mother nos lembrou que não somos reduzidos à nossas mentes e nos falou sobre a necessidade de honrarmos nossos ancestrais e muitas outras coisas. Recebi um abraço carinhoso e agradeci pelo presente de conhecê-la no lugar mais sagrado para minha alma. Ela disse que o Matutu a lembrou muito o Himalaia por sua energia, paz e simplicidade.



Sou eternamente grata por ter chegado a este lugar de renovação e encontro com meu ser mais profundo e pelos presentes que sempre lá recebo.

Para saber mais sobre Mother Maya: http://www.mothermaya.com/

domingo, 18 de setembro de 2011

"Paixão Índia" no Matutu

A cada vez que vou ao Matutu levo livros para ler. Quando lá fiquei por 28 dias consegui ler 12 deles, entre os meus e os que tem na pousada. Nestas férias não foi diferente, levei Clarissa Pínkola e Raimundo Correia. Mas lá chegando me deparei com a história de uma dançarina espanhola, Anita Delgado e a paixão do marajá de Kapurthala por ela no começo do século XX. Traça um panorama de uma Índia esplendora e opulenta num tempo em que a Inglaterra dominava o país, mas dava quase total liberdade ao antigos marajás que se cercavam de um luxo inimaginável. A saga desta ocidental perdida em meio às rivalidades e intrigas das esposas anteriores e à não aceitação da sociedade vitoriana de um casamento misto me encantou.Para arrematar, um escândalo digno das famílias reais da mitologia grega acabou por abalar as manchetes de sua época e dar um fim melancólico à história. Bom livro para ler nas férias.
Como minha curiosidade e atração pelas tradições hindus é imensa e o Matutu é um lugar de surpresas a história não termina aí. Mas esta parte vou deixar para amanhã...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Uma história hindu

Há pouco tempo a ciência começou a questionar a imparcialidade do observador que pode modificar resultados. Nossa percepção é mediada por nossas crenças. Nas antigas tradições já se sabia que só se percebe e encontra no externo aquilo que é conhecido no interno. Uma história hindu para se pensar...




Krishna desejava testar a sabedoria de seus reis. Certo dia, convocou um rei chamado Duryodhana, que era bem conhecido em todo o seu reino pela crueldade e pela avareza, e cujos súditos viviam em constante terror. Krishna disse a Duryodana:
- Quero que parta em viagem pelo mundo e encontre para mim um homem verdadeiramente bom.
 Duryodhana aquiesceu e, obedientemente, deu início à busca. Conheceu e conversou com muitas pessoas. Passaram-se muitos anos e por fim ele retornou a Krishna dizendo:
- Senhor, fiz como pedistes e percorri o mundo inteiro em busca de um homem verdadeiramente bom. Ele não existe. Todos são egoístas e maus. Esse homem bondoso que buscais não pode ser encontrado em lugar algum!
 Krishna mandou-o embora e chamou outro rei, Dhammaraja, conhecido por sua generosidade e benevolência, e amado por todos. Krishna disse a ele:
- Rei Dhammaraja, quero que percorra o mundo inteiro e traga para mim um homem verdadeiramente mau.
 Dhammaraja, também obedeceu e em suas viagens conheceu e conversou com muitas pessoas. Passaram-se muitos anos e por fim ele retornou a Krishna dizendo:
- Senhor, eu vos desapontei. Encontrei pessoas mal orientadas, pessoas desencaminhadas e pessoas que agem como se fossem cegas. Mas em lugar algum pude encontrar um homem verdadeiramente mau. São todos bons de coração apesar de suas deficiências.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nasrudin responde...

Nasrudin pode parecer sábio, pode parecer tolo. Depende...




Nasrudin estava cortando lenha na beira da estrada. Depois de algum tempo, um homem veio pela estrada, caminhando na direção da cidade mais próxima, e perguntou a Nasrudin:
- Quanto tempo levarei até chegar a próxima cidade?
Nasrudin ouviu mas nada disse. Por isso o homem, em voz mais alta, insistiu:
- Quanto tempo levarei para chegar até a próxima cidade?
Mas Nasrudin continuou em silêncio. Dessa vez o homem gritou, indignado:
- Quanto tempo levarei para chegar a próxima cidade?
Como Nasrudin continuasse mudo, o homem chegou à conclusão de que ele era surdo; e assim se pôs a caminhar depressa no rumo da cidade. Nasrudin observou-o a caminhar por uns instantes e de repente lhe gritou:
Uma hora!
- Por que não me disse isso antes? - Desabafou-se o zangado viajante.
- Porque eu primeiro precisava conhecer a velocidade que você caminha - respondeu Nasrudin.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Monges e estrelas

Histórias e caminhos espirituais andam, quase sempre, de mãos dadas. Mestres de diversas tradições se valem deste recurso para ilustrar as verdades que desejam transmitir. Talvez porque tocar os Mistérios só se torne possível através de imagens que falem mais diretamente à alma do que ao intelecto. Esta é da Tradição dos Padres do Deserto.



Eu também sou monge, e a pergunta que realmente queria fazer era, "O que é um monge?" Bem, acabei fazendo a pergunta, mas como resposta, obtive uma outra pergunta, bastante estranha: "Você quer dizer de dia ou de noite?" E agora, o que poderia significar isso?
Como não respondi, ele retomou o assunto:
- Um monge, como todos, é uma criatura de contração e expansão. Durante o dia ele está contraído; atrás dos muros do claustro, vestindo um hábito igual ao dos demais, executando as tarefas de rotina que se espera que um monge realize. À noite, porém, ele se expande. Os muros são incapazes de contê-lo> Ele se move pelo mundo e toca as estrelas.
"Ah", pensei eu, "poesia." Para trazê-lo de volta à terra, comecei a perguntar:
- Bem, durante o dia, em seu corpo verdadeiro...
- Espere - ele me interrompeu - Esta é a diferença entre nós e você. Você costumam supor que o estado contraído é o verdadeiro corpo. E é, de fato, em certo sentido. Nós aqui, porém, tendemos a partir do outro extremo, o estado expandido. Ao estado diurno nos referimos como o "corpo do medo". E enquanto vocês julgam um monge por seu decoro durante o dia, nós tendemos a avaliar um monge pelo número de pessoas que ele toca à noite e pela quantidade de estrelas.

Histórias da alma; Histórias do coração: parábolas e narrativas co caminho espiritual e na contemporaneidade. São Paulo: Pioneira,1994.

Foto tirada por Flávio Gago do céu do Matutu em noite de Lua nova.
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