quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Bela Adormecida dos Irmãos Grimm

Existem histórias que ouvimos desde sempre: Cinderelas, Brancas de Neve e Belas Adormecidas são personagens que conheci muito cedo. O que eu não suspeitava é que tais histórias tinham sido distorcidas até que ficaram irreconhecíveis. Ensinamentos ancestrais sobre ciclos da vida se perderam. Pasteurizaram e reduziram a força de transformação destes contos. A Bela Adormecida é um exemplo clássico: a princesa deve morrer pela maldição de uma maga poderosa e é salva pela benção de outra maga, tão poderosa quanto, que transforma a morte num sono de cem anos. Nada de beijo de príncipe, apenas o tempo cumprido pode acordá-la. Faz muita diferença...



Bela Adormecida dos Irmãos Grimm


 Há muito tempo, viviam um rei e uma rainha que todos os dias diziam: "Ah, se nós tivéssemos uma criança!", e nunca conseguiam uma. Aí aconteceu que, uma vez em que a rainha estava se banhando, um sapo rastejou para fora da água e lhe disse "Seu desejo será realizado; antes que se passe um ano, você dará à luz uma menina". Aquilo que o sapo dissera aconteceu, e a rainha teve uma menina que era tão formosa que o rei mal se continha de felicidade, e preparou uma grande festa. Ele não apenas convidou seus parentes, amigos e conhecidos, como também as fadas, a fim de obter suas boas graças para a criança. Havia treze delas em seu reino, mas como ele só possuía doze pratos de ouro, nos quais elas poderiam comer, uma delas teria de ficar em casa. A festa foi celebrada com toda a pompa e, quando chegou ao fim, as fadas presentearam a criança com dotes mágicos: uma com a virtude, outra com a formosura, a terceira com riqueza, e assim com tudo o que há de desejável no mundo. Quando onze já tinham falado, entrou de repente a décima terceira. Ela queria se vingar por não ter sido convidada e, sem cumprimentar ou mesmo olhar para quem quer que seja, exclamou aos brados: "A princesa deverá espetar-se em um fuso quando tiver quinze anos, e cair morta." E sem dizer mais nada, virou as costas e deixou o salão. Todos estavam assustados, e então adiantou-se a décima segunda, que ainda não tinha feito seu desejo, e como não podia anular a maldição, mas apenas abrandá-la, ela disse: "A princesa não morrerá, apenas cairá em um sono profundo que durará cem anos."
O rei, que queria salvar sua querida criança do infortúnio, ordenou que todos os fusos do reino inteiro fossem queimados. Na menina, entretanto, realizaram-se plenamente todos os dons das fadas, pois ela era tão bela, educada, gentil e sensata que todos que a viam não podiam deixar de gostar dela. Sucedeu que, justamente no dia em que ela completava quinze anos, o rei e a rainha não estavam em casa, e a menina estava sozinha no castelo. Ela andou então por todos os cantos, examinou à vontade aposentos e câmaras, e finalmente chegou até uma velha torre. Subiu a estreita escada em espiral e deparou-se com uma pequena porta. Na fechadura havia uma chave enferrujada e, quando ela a girou, a porta se abriu de um só golpe e lá, em um quartinho, estava sentada uma velha com um fuso, fiando diligentemente seu linho. "Bom dia, velha mãezinha", disse a princesa, "o que você está fazendo aí?" "Eu estou fiando," disse a velha, e balançou a cabeça. "O que é isto, que pula tão alegremente?" perguntou a menina, e pegou o fuso querendo também fiar. Mal ela tinha tocado o fuso, a maldição se realizou, e ela espetou-se no dedo.
Mas, no mesmo instante em que foi picada, ela caiu na cama que ali estava, e foi tomada de um profundo sono. E este sono estendeu-se por todo o castelo: o rei e a rainha, que tinham acabado de chegar e entrado no salão, começaram a dormir, e com eles toda a Corte. Dormiram então também os cavalos no estábulo, os cachorros no pátio, as pombas no telhado, as moscas na parede, e até o fogo, que chamejava no fogão, ficou imóvel e adormeceu, e o assado parou de crepitar, e o cozinheiro, que queria puxar seu ajudante pelos cabelos porque ele havia feito uma coisa errada, soltou o menino e dormiu. E o vento assentou-se, e nas árvores defronte ao castelo nem uma folhinha se movia.
ao redor do castelo começou porém a crescer uma cerca de espinhos, que a cada ano ficava mais alta e que, por fim, estendeu-se em volta de todo o castelo e cobriu-o de tal forma que nada mais se podia ver dele, nem mesmo a bandeira sobre o telhado. Começou então a correr no país a lenda da bela adormecida, pois assim era chamada a princesa, de modo que de tempos em tempos chegavam príncipes que tentavam penetrar no castelo através da cerca viva. Mas nenhum deles conseguiu, pois os espinhos estavam tão entrelaçados como se tivessem mãos, e os jovens ficavam presos neles e não conseguiam se soltar, sofrendo uma morte lastimável. Depois de muitos anos, chegou mais uma vez um príncipe ao reino e ouviu quando um velho contava da cerca de espinhos, e que havia um castelo atrás dela, no qual uma linda princesa, chamada Bela Adormecida, já dormia há cem anos, e com ela dormia o rei e a rainha e toda a corte. Ele também sabia pelo seu avô que muitos príncipes já haviam vindo e tentado penetrar pela cerca viva de espinhos, mas haviam ficado presos nela e morrido tristemente. O jovem então disse: "Eu não tenho medo, eu quero ir lá e ver a Bela Adormecida." O bom velho tentou dissuadi-lo de todos os modos, mas ele não deu ouvidos às suas palavras.
Mas agora os cem anos tinham justamente acabado de transcorrer, e havia chegado o dia em que Bela Adormecida deveria acordar. Quando o príncipe se aproximou da cerca de espinhos, estes não eram agora mais do que flores grandes e bonitas que por si sós se abriram e o deixaram passar ileso, e se fecharam atrás dele, formando novamente uma cerca. No pátio do castelo ele viu os cavalos e os cães de caça malhados deitados e dormindo, no telhado estavam pousadas as pombas, e tinham a cabecinha metida debaixo da asa. E quando ele entrou na casa, as moscas dormiam na parede, o cozinheiro na cozinha ainda levantava a mão como se quisesse agarrar o menino, e a criada estava sentada diante da galinha preta que deveria ser depenada. Ele então continuou andando, e avistou no salão toda a corte deitada e dormindo, e lá em cima, perto do trono, estavam deitados o rei e a rainha. Aí ele continuou andando ainda mais, e tudo estava tão quieto que se podia ouvir sua respiração, e chegou finalmente à torre e abriu a porta do quartinho, no qual Bela Adormecida dormia. Lá estava ela deitada, e era tão bela que ele não conseguia desviar os olhos, e ele se inclinou e beijou-a. Quando ele a tinha tocado com os lábios, Bela Adormecida abriu os olhos, acordou e olhou para ele amavelmente. Então os dois desceram, e o rei acordou, e a rainha e toda a corte, e se olharam espantados. E os cavalos no pátio se levantaram e se sacudiram; os cães de caça pularam e abanaram suas caudas; as pombas no telhado tiraram a cabecinha de sob a asa, olharam ao redor e voaram para o campo; as moscas nas paredes recomeçaram a rastejar; o fogo na cozinha levantou-se, chamejou e cozinhou a comida; o assado voltou a crepitar; e o cozinheiro deu um tamanho tabefe no menino que este gritou; e a criada terminou de depenar a galinha. E aí foram festejadas com todas as pompas as bodas do príncipe com a Bela Adormecida, e eles viveram felizes até o fim.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Uma história sobre humildade

Temos todos uma instância psíquica absolutamente necessária para intermediar as trocas entre nosso mundo interno e o meio em que vivemos. Entretanto, o Ego, resolve tomar o poder e age como um ditador eternamente insatisfeito, precisando sempre afirmar seus poderes. Acontece com todo mundo até com quem se diz que superou suas pressões de poder.  No livro " Histórias do Coração, Histórias da Alma" encontrei um pequeno conto hassídico que nos lembra disso com humor.

Certo dia, um rabino, num frêmito de paixão religiosa, correu para diante da arca e, caindo de joelhos, começou a bater no peito, clamando:
- Eu sou um ninguém! Eu sou um ninguém!
 O chantre da sinagoga, impressionado com esse exemplo de humildade espiritual, juntou-se ao rabino e , ajoelhando-se ao seu lado, pôs a bradar:
- Eu sou um ninguém ! Eu sou um ninguém!
O shamus (zelador), que observava tudo de um canto, também não pôde resistir. Caiu de joelhos ao lado dos outros dois e começou a clamar:
- Eu sou um ninguém! Eu sou um ninguém!
Nesse momento, o rabino cutucou o chantre com o cotovelo, apontou para o zelador e disse:
- Olhe só quem pensa que é um ninguém!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Vasalisa, a sabida


Uma grande amiga minha há pouco encantou-se com bonecas. Não qualquer boneca, mas aquelas feitas à mão com todo o carinho, que reproduzem as proporções humanas, são recheadas com lã de carneiro e criadas à imagem e semelhança de quem faz ou de quem vai receber. Bonecas Waldorf. Aprendeu a confeccioná-las e logo passou a ensinar como fazer. Outro dia passamos uma tarde adorável revisitando este esquecido ofício tão feminino de costurar e conversar, conversar e costurar. Fizemos uma boneca para cada uma  rememorando uma antiga história russa que fala de salvação através de nossa intuição que pode nos falar de diversos meios. Na história é representada pela boneca, objeto imantado com o amor e benção de sua mãe. Pretendemos em breve juntar histórias, bonecas e mulheres e abrir mais um portal para ampliação e crescimento.


Vasalisa, a sabida

Era uma vez, e não era uma vez, uma jovem mãe que jazia no seu leito de morte, com o rosto pálido como as rosas brancas de cerana sacristia da igreja dali de perto. Sua filinha e seu marido estavam sentados aos pés da sua velha cama de madeira e oravam parq eu Deus a conduzisse em segurança até o outro mundo.A mãe moribunda chamou Vasalisa, e a criança de botas vermelhas e avental branco ajuelhou-se ao lado da mãe.- Essa boneca é para você, meu amor - sussurrou a mãe, e da coberta felpuda ela tirou uma bonequinha minúscula que, como a própria Vasalina, usava botas vermelhas, a vental branco, saia preta e colete todo bordado com linha colorida.- Estas são as minhas últimas palavras querida - disse a mãe. - Se você se perder ou precisar de ajuda, pergunte a boneca o que fazer. Você receberá ajuda. Guarde sempre a boneca. Não fale a ninguém sobre ela. Dê-lhe de comer quando ela estiver com fome. Essa é a minha promessa de mãe para você, minha bênção querida. - E, com essas palavras, a respiração da mãe mergulhou nas profundezas do seu corpo, onde recolheu sua alma, e saiu correndo pelos lábios; e a mãe morreu.A criança e o pai choraram sua morte muito tempo. No entanto, como o campo arrasado pela guerra, a vida do pai voltou a verdejar por entre os sulcos e ele desposou uima viúva com duas filhas. Embora a nova madrasta e suas filhas fossem gentis e sorrissem como damas, havia algo de corrosivo por trás dos sorrisos que o pai de Vasalisa não percebia.Realmemente, quando as três estavam sozinhas com Vasalisa, elas a atormentavam, forçavam-na a lhes servir de criada, mandavam-na cortar lenha para que sua pele delicada se ferisse. Elas a detestavam porque Vasalisa tinha uma doçura que não parecia deste mundo. Ela era também muito bonita. Seus seios eram fartos, enquanto os delas definhavam de maldade. Ela era solícita e não se queixava, enquanto a madrasta e as duas filhas eram, entre si mesmas, como ratos no monte de lixo à noite.Um dia a madrasta e suas filhas simplesmente não conseguiam aguentar Vasalisa.- Vamos... combinar de deixar o fogo se apagar e, então, vamos mandar Vasalisa entrar na floresta para ir pedir fogo para nossa lareira a Baba Yaga, a bruxa. E, quando ela chegar até Baba Yaga, bem, a velha irá matá-la e comê-la. - As três bateram palmas e guincharam como animais que vivem na escuridão.Por isso, naquela noite, quando Vasalisa voltou para casa depois de catar lenha a casa estava completamente às escuras. Ela ficou muito preocupada e falou com a madrasta.- O que aconteceu? Como vamos fazer para cozinhar? O que vamos fazer para oluminar as trevas?- Sua imbecil - reclamou a madrasta. - É claro que não temos fogo. E eu não posso sair para o bosque devido à minha idade. Minhas filhas não podem ir porque têm medo. Você é a única que tem condições de sair floresta adentro para encontrar Baba Yaga e conseguir dela uma brasa para acender nosso fogo de novo.- Ora, está bem - respondeu Vasalisa inocente. - É o que vou fazer. - E foi mesmo. A folresta ia ficando cada vez mais escura, e os gravetos estalavam sob seus pés, deixando-a assustada. Ela enfiou a mão bem fundo no bolso do avental, e ali estava a boneca que a mãe ao morrer lhe havia dado.- Só de tocar nessa boneca, já me sinto melhor - disse Vasalisa, acariciando a boneca no bolso.A cada bifurcação da estrada, vasalisa enfiava a mão no bolso e consultava a boneca. "Bem, eu devo ia para a esquerda ou para a direita?" A boneca respondia "Sim", "Não", "Para esse lado" ou "Para aquele lado". E Vasalisa dava à boneca um pouco de pão enquanto ia caminhando, seguindo o que sentia estar emanando da boneca.De repente, um homem de branco num cavalo branco passou galopando, e o dia nasceu. Mais adiante, um homem de vermelho passou montado num cavalo vermelho, e o sol apareceu. Vasalisa caminhou e caminhou e, bem na hora em que estava chegando ao casebre de Baba Yaga, um cavaleiro vestido de negro passou trotando e entrou no casebre. Imediatamente fez-se noite. A cerca feita de caveiras e ossos ao redor da choupada começou a refulgir com um fogo interno de tal forma que a floresta ficou iluminada com a luz espectral.Ora, Baba Yaga era uma criatura muito terrível. Ela viajava, não num coche, nem numa carruagem, mas num caldeirão com o formato de um gral que voava sozinho. Ela remava esse veículo com um remo que parecia um pilão e o tempo todo varria o rastro por onde passava com uma vassoura feita do cabelo de alguém morto há muito tempo.E o caldeirão veio voando pelo céu, com o próprio cabelo sebento de Baba Yaga na esteira. Seu queixo comprido era curvado para cima e seu longo nariz era curvado para baixo, de modo que os dois se encontravam a meio caminho. Baba Yaga tinha um ínfimo cavanhaque branco e verrugas na pele adquiridas de seus contatos com sapos. Suas unhas manchadas de marrom eram grossas e estriadas como telhados, e tão compridas e recurvas que ela não conseguia fechar a mão.Ainda mais estranha era a casa de Baba Yaga. Ela ficava em cima de enormes pernas de galinha, amarelas e escamosas, e andava de um lado para o outro sozinha. Ela às vezes girava como uma bailarina em transe. As cavilhas nas portas e janelas eram feitas de dedos humanos, das mãos e dos pés, e a tranca da porta da frente era um focinho com muitos dentes pontiagudos.Vasalisa consultou a boneca. "É essa a casa que procurávamos?" E a boneca, a seu modo, respondeu: "É, é essa a que procurávamos." E antes que ela pudesse dar mais um passo, Baba Yaga no seu caldeirão desceu sobre Vasalisa, aos gritos.- O que você quer?- Vovó, vim apanhar fogo - respondeu a menina, estremecendo. - Está frio na minha casa... o meu pessoal vai morrer... preciso de fogo.- Ah, sssssei - retrucou Baba Yaga, rabugenta. - Conheço você e o seu pessoal. Bem, criança inútil... você deixou o fogo se apagar. O que é muita imprudência. Além do mais, o que faz pensar que eu lhe daria uma chama?- Porque eu estou pedindo - respondeu rápido Vasalisa depois de consultar a boneca.- Você tem sorte - ronrolnou Baba Yaga - Essa é a resposta certa.E Vasalisa se sentiu com muita sorte por ter acertado a resposta. Baba Yaga, porém, a ameaçou.- Não há a menor possibilidade de eu lhe dar o fogo antes de você fazer algum trabalho para mim. Se você realizar essas tarefas para mim, receberá o fogo. Se não... - E nesse ponto Vasalisa viu que os olhos de Baba Yaga de repente se transformavam em brasas. - Se não, minha filha, você morrerá.E assim Baba Yaga entrou pesadamente no casebre, deitou-se na cama e mandou que Vasalisa lhe trouxesse a comida que estava no forno. No forno havia comida suficiente para dez pessoas, e a Yaga comeu tudo, deixando uma pequena migalha e um dedal de sopa para Vasalisa.- Lave minha roupa, carra a casa e o quintal, prepare minha comida, separe o milho mofado do milho bom e certifique-se que está tudo em ordem. Volto mais tarde para inspecionar seu trabalho. Se tudo não estiver pronto, você será meu banquete. - E com isso Baba Yaga partiu voando no seu caldeir]ao com o nariz lhe servindo de bitura e o cabelo, de vela. E anoiteceu novamente.Vasalisa voltou-se para a boneca assim que Yaga se foi.- O que vou fazer? Vou conseguir cumprir as tarefas a tempo? - A boneca disse que sim e recomendou que ela comesse algo e fosse dormir. Vasalisa deu algo de comer à boneca também e adormeceu.Pela manhã, a boneca havia feito todo o trabalho, e só faltava preparar a refeição. Á noite, a Yaga voltou e não encontrou nada por fazer. Satisfeita, de certo modo, mas irritada por não conseguir encontrar nenhuma falha, Baba Yaga zombou de Vasalisa.- Você é uma menina de sorte. - Ela, então, convocou seus fiéis criados para moer o milho, e três pares de mãos apareceram em pleno ar e começaram a respar e esmagar o milho. Os resíduos pairavam no ar como uma neve dourada. Finalmente o serviço terminou, e Baba Yaga se sentou para comer. Comeu horas a fio e deu ordens a Vasalisa que lavasse a roupa.- Naquele monte de estrume - disse a Yaga, apontando para um enorme monte de estrume no quintal - há muitas sementes de papoula, milhões de sementes de papoula. Amanhã quero encontrar um monte de sementes de papoula e um monte de estrume, completamente separados um do outro. Compreendeu?- Meu Deus, como vou fazer isso? - exclamou Vasalisa, quase desmaiando.- Não se preocupe, eu me encarrego - sussurrou a boneca, quando a menina enfiou a mão no bolso.Naquela noite, Baba Yaga adormeceu roncando, e Vasalisa tentou... catar... as... sementes de papoula... do... meio... do... estrume.- Durma agora - disse-lhe a boneca, depois de algum tempo. - Tudo vai dar certo.Mais uma vez, a boneca executou todas as tarefas e, quando a velha voltou, tudo estava pronto.- Ora, ora! Que sorte a sua de conseguir acabar tudo! - disse Baba Yaga, falando sarcástica pelo nariz. Ela chamou seus criados para prensar o óleo das semantes, e novamente três pares de mãos apareceram e cumpriram a tarefa.Enquanto a Yaga estava besuntando os lábios na gordura do cozindo, Vasalisa ficou parada por perto.- E aí, o que é que você está olhando? - prguntou Baba Yaga, de mau humor.- Posso lhe fazer umas perguntas, vovó? - perguntou Vasalisa.- Pergunte - ordenou a Yaga -, mas lembre-se, saber demais envelhece as pessoas antes do tempo.Vasalisa perguntou quem era o homem de branco no cavalo branco.- Ah - respondeu a Yaga, com carinho. - Esse primeiro é o meu Dia.- E o homem de vermelho no cavalo Vermelho?- Ah, esse é o meu Sol Nascente.- E o homem de negro no cavalo negro?- Ah, sim, esse é o terceiro e ele é minha Noite.- Entendi - disse Vasalisa- Vamos, vamos, minha criança. Não queres fazer mais perguntas? - sugeriu a Yaga, manhosa.Vasalisa estava a ponto de perguntar sobre os pares de mãos que apareciam e desapareciam, mas a boneca começou a saltar dentro do bolso e, em vez disso, Vasalisa respondeu.- Não, vovó. Como a senhora mesma diz, saber demais pode envelhecer a pessoa antes da hora.- É - disse Yaga, inclinando a cabeça como um passarinho -, você é muito ajuizada para a sua idade, menina. Como conseguiu isso?- Foi a bênção da minha mãe - disse Vasalisa, com um sorriso.- Bênção?! - guinchou Baba Yaga - Bênção?! Não precisamos de bênção nenhuma aqui nesta casa. É melhor você procurar seu caminho, filha. - E foi empurrando Vasalisa para o lado de fora - Vou lhe dizer uma coisa, menina. Olhe aqui! - Baba Yaga tirou uma caveira de olhos candentes da cerca e a enfiou numa vara. - Pronto! Leve esta caveira na vara até sua casa. Isso! Esse é o seu fogo. Não diga mais uma palavra sequer. Só vá embora.Vasalisa ia agradecer à Yaga, mas a bonequinha no fundo do bolso começou a saltar para cima e para baixo, e Vasalisa percebeu que devia só apanhar o fogo e ir embora. Ela voltou correndo para casa, seguindo as curvas e voltas da estrada com a boneca lhe indicando o caminho. Era noite, e Vasalisa atravessou a floresta com a caveira numa vara, com o brilho do fogo saindo pelos buracos dos ouvidos, dos olhos, do nariz e da boca. De repente, ela sentiu medo dessa luz espectral e pensou em jogá-la fora, mas a caveira falou com ela, incistindo para que se acalmasse e prosseguisse para casa da madrasta e das filhas.Quando Vasalisa ia se aproximando da casa, a madrasta e suas filhas olharam pela janela e viram uma luz estranha que vinha dançando pela mata. Cada vez chagava mais perto. Elas não podiam imaginar o que aquilo seria. Já haviam concluído que a longa ausência de Vasalisa indicava que ela a essa altura estava morta, que seus ossos haviam sido carregados por animais, e que bom que ela favia desaparecido!Vasalisa chegava cada vez mais perto de casa. E, quando a madrasta e suas filhas viram que era ela, correram na sua direção dizendo que estavam sem fogo desde que ela havia saído e que, por mais que tentassem acender um, ele sempre se extingua.Vasalisa entrou na casa, sentindo-se vitoriosa por ter sobrevivido à sua perigoda jornada e por ter trazido o fogo para casa. No entando, a caveira na vara ficou observando cada movimento da madrasta e das duas filhas, queimando-as por dentro. Antes de amanhecer, ela havia reduzido a cinzas aquele trio perverso.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Nasrudin e os tigres


Achei mais histórias de meu querido Nasrudin, no livro " Histórias da Alma, Histórias do Coração". Esta é bem  típica:

Nasrudin e os tigres


  O mullah Nasrudin é ao mesmo tempo um tolo e um homem sábio. Certo dia, ele estava em seu jardim jogando migalhas de pão em torno dos canteiros de flores. Um vizinho que passava por perto parou e perguntou:
- Mullah, por que você está fazendo isso?
- Ah, eu faço isso para manter os tigres afastados - explicou Nasrudin.
- Mas não há tigre algum por perto. Os tigres não habitam esta região.
- Eficaz, não é? - concluiu Nasrudin.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O gato de Vinicius

Se existem duas coisas neste mundo de que gosto deveras são gatos e poesia. Quando o poeta junta os dois... Recebi este poema de uma queridíssima ex-paciente que, carinhosamente ao lê-lo, lembrou-se de mim. 





O gato
Vinicius de Moraes

Com um lindo salto
Lesto e seguro
O gato passa
Do chão ao muro
Logo mudando
De opinião
Passa de novo
Do muro ao chão
E pega corre
Bem de mansinho
Atrás de um pobre
De um passarinho
Súbito, pára
Como assombrado
Depois dispara
Pula de lado
E quando tudo
Se lhe fatiga
Toma o seu banho
Passando a língua
Pela barriga.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Verdade e Dogma

Histórias trazem à luz verdades e compreensões profundas sobre a vida, sobre a morte, sobre nossa relação com o Sagrado e o Sublime. Todas as tradições costumam utilizá-las como fonte de ensinamento. Esta a seguir vem do budismo e está num livro precioso, que contém contos de sabedoria das mais diversas origens: "Histórias da Alma, Histórias do Coração"

Verdade e Dogma

Certo dia, Mara, deus da ignorância e do mal no budismo, viajava pelos vilarejos da Índia com seus assistentes quando encontrou um homem caminhando em meditação cujo rosto, maravilhado, estava resplandescente. O homem parecia haver acabado de descobrir algo no chão diante de si. Os assistentes de Mara perguntaram ao deus o que o homem encontrara, e Mara respondeu: 
- Uma verdade.
- Isso não vos incomoda, Ó deus do mal, quando alguém encontra uma verdade?
- Nem um pouco - respondeu Mara - Logo em seguida eles costumam transformá-la num dogma.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Nasrudin e a vontade de Allah

Mais uma despretensiosa história deste mestre tão paradoxal que sempre traz grandes ensinamentos.

A Vontade de Allah



Nasrudin ouviu um homem religioso dizer, no meio de uma conversa:
"Seja feita a vontade de Allah".
E Nasrudin respondeu:
"Ela sempre se faz, qualquer que seja a situação".
"Como pode provar isso?", perguntou o homem.
"É simples. Se a vontade de Allah não fosse feita sempre, a minha seria feita, você não acha?" Questionou Nasrudin.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

EU quero você como EU quero

Lembrando daquele filme emblemático sobre a relação entre a música e nossas aventuras e desventuras amorosas, "Alta Fidelidade", com John Cusack e o Jack Black, começando a por as manguinhas de fora, passei a prestar mais atenção às letras da maioria das canções que tocam no rádio. (Sim, eu sou uma daquelas neolíticas que ainda ouvem muito este antigo e ultrapassado aparelho que sempre me surpreende com possibilidades há muito relegadas ao esquecimento). Uma velha canção, muito popular, do Kid Abelha, chamou-me, em especial, a atenção: "Como eu quero".
Parece ser o hino de muitas de nossas relaçoes: EU quero você, mas não do jeito que é, mas do jeito que EU quero. Para isso posso fazer qualquer coisa para melhorar meu suposto objeto amado e transformá-lo naquilo que acredito ser mais adequado aos meus olhos e principalmente para que todos vejam o quanto sou poderosa. 
Por mais caricatural que pareça, esta história se repete infinitamente nas relações e causa muito desperdício de energia e brigas sem fim. 
Conhecer-se não é nada fácil. Transformar-se para se sentir mais confortável, complicado. Encontrar alguém a quem nos dispomos a conhecer profundamente e aprender a compor juntos um novo quadro que contemple também as diferenças, tarefa árdua e nada romântica. Talvez por isso as pessoas prefiram seguir nas intermináveis cruzadas de querer mudar e dominar o Outro. Frustração garantida e permanente!


Como Eu Quero

Kid Abelha

Composição: Leoni e Paula Toller
Diz prá eu ficar muda
Faz cara de mistério
Tira essa bermuda
Que eu quero você sério...
Tramas do sucesso
Mundo particular
Solos de guitarra
Não vão me conquistar...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...(x2)
O que você precisa
É de um retoque total
Vou transformar o seu rascunho
Em arte final...
Agora não tem jeito
Cê tá numa cilada
Cada um por si
Você por mim e mais nada...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...
Longe do meu domínio
Cê vai de mal a pior
Vem que eu te ensino
Como ser bem melhor...
Longe do meu domínio
Cê vai de mal a pior
Vem que eu te ensino
Como ser bem melhor...
(Bem melhor!)...
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uh! eu quero você
Como eu quero!...(2x)
Uh! eu quero você
Como eu quero!
Uuuuuuuuuuhhh!
Uuuuuuuuuuhhh!...


quinta-feira, 7 de julho de 2011

Uma pequena história de tesouro


No sufismo, as histórias não servem apenas para deleite dos ouvintes, nem para interpretações psicológicas, mas antes  como portais de iniciação na jornada em busca do sagrado e do sublime. Idries Shah foi um grande mestre que compilou várias destas histórias. Trabalho inestimável numa tradição que tem muito a nos ensinar.

O VALOR DE UM TESOURO ESCONDIDO

Vivia na China um sacerdote rico e avarento. Amava joias e as colecionava, acrescentando constantemente novas peças ao seu maravilhoso tesouro escondido, que guardava a sete chaves, oculto de olhos que não fossem os seus.
O sacerdote tinha um amigo, que um dia o visitou e manifestou interesse em ver as joias.
- Seria um prazer tirá-las do esconderijo, e assim eu poderia olhá-las também.
A coleção foi trazida, e os dois deleitaram os olhos com o tesouro maravilhoso por longo tempo, perdidos em admiração.
Quando chegou o momento de partir, o convidado disse:
- Obrigado por me dar o tesouro.
- Não me agradeça por uma coisa que você não recebeu - disse o sacerdote - Como não lhe deu as joias, elas não são suas, absolutamente.
- Como você sabe - respondeu o amigo, - senti tanto prazer admirando os tesouros quanto você, por isso não há essa diferença entre nós como pessoas. Só que os gastos e o problema de encontrar, comprar e cuidar das joias são seus.

Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro. Edições Dervish - Instituto Tárika, 1993

terça-feira, 5 de julho de 2011

Se Deus quiser...

Gosto muito deste personagem, ora sábio, ora tolo que sempre nos traz algo a refletir. Esta é uma de minhas favoritas...

Se Deus quiser


Uma noite, Nasrudin comentou com a mulher:
"Se amanhã chover, vou cortar lenha; se fizer tempo bom, vou arar a terra".
Sua mulher advertiu-o: "Diga, 'se Deus quiser', Nasrudin, diga 'se Deus quiser'".
Ele se irritou:
"Porque vou ter que dizer 'se Deus quiser'? Com toda a certeza farei uma coisa ou outra".
No dia seguinte, o tempo estava bom. Nasrudin saiu para arar a terra, mas quando estava prestes a pegar o arado, começou a chover. Pôs-se então a caminho do bosque para que aí cortasse lenha, mas não tardou em cruzar com um homem a cavalo, que lhe perguntou:
"Como se faz para chegar a tal povoado?"
'Não pergunte a mim, não sei", respondeu Nasrudin, e tratou de seguir seu caminho.
Mas o homem ameaçou-o com um chicote e ordenou-lhe:
"Pare ! Vai me levar ao tal povoado".
Nasrudin não teve outro remédio a não ser trocar de rumo. Acompanhou o homem ao povoado que, por sinal era, muito longe dali.
Só pôde voltar para casa já bem tarde da noite. Bateu à porta, e sua mulher, lá de dentro, perguntou cautelosa:
"Quem é?"
"Nasrudin, se Deus quiser!"

domingo, 3 de julho de 2011

Os Karamazov e eu


Há alguns dias lembrei-me de como se iniciou minha fase "russa', que perdurou por toda a minha adolescência e deu origem à série perpetuada por meu filhote Lucas. No meu aniversário de 9 anos meu querido e saudoso irmão resolveu me dar um presente. Coisa rara para ele que começara a trabalhar por aqueles dias. Como não tinha ideia do que dar para uma menininha que amava bonecas e carrinhos de rolemã, passou na banca de jornal e comprou o primeiro volume da coleção de clássicos que a Abril Cultural acabara de lançar. Pois bem , o tal livro era nada menos do que "Os irmãos Karamazov", um romance escrito em 1879 por Fiódor Dostoiévski. Como meu irmão era simplesmente meu ídolo resolvi começar a ler no mesmo dia. Confesso que não entendi absolutamente nada. Fechei o livro e dediquei-me às coisas mais apropriadas à minha idade. De tempos em tempos tentava de novo e nada. Até que do alto dos meus 13 anos eu consegui. Apaixonei-me perdidamente por Aliéksiei, apesar de gostar bastante de Dimitri também. Daí por diante passei a ler outros livros dele, mais leves admito, como " Noites brancas" e " O eterno marido" que já faziam parte da biblioteca de casa. 
Quando fui para o Caetano de Campos deparei-me com uma imensa biblioteca e conheci Tolstói. Li as 1600 páginas de " Guerra e Paz" com um prazer infinito. " Anna Karenina" li apenas o primeiro volume porque não queria, de forma alguma, aceitar sua morte no final. 
Com o tempo meu encantamento foi diminuindo, até que Hesse e outros me conquistaram definitivamente. Mas  um dia veio meu pequeno Lucas que do nada manifestou curiosidade com a língua e se tornou este " russo" perfeito que traduz hoje " Memórias do Subsolo" para uma nova edição e já me prometeu que irá traduzir "O eterno marido". 
O livro que me deu meu irmão eu perdi entre tantas mudanças. Ontem, porém, fui tomar um café num lugarzinho adorável chamado " Flores da Varanda" ,  café, floricultura e outras coisas mais. Dei de cara com o livro, igualzinho ao meu presente de então. Apesar de ser um lugar que tem livros antigos, eles não costumam vendê-los. Contei minha história à dona e a convenci que precisava muito daquele  livro que, sincronicamente, voltou para o meu caminho. Agora, tantos anos depois, vou revisitar os Karamazov. Quem sabe o que poderá vir disso?

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