quinta-feira, 16 de abril de 2015

Hera ou não Hera

Deusas são sempre Deusas e como tais merecem, no mínimo, nosso respeito. Como representam energias que se manifestam em nós, réles mortais, podemos dizer que temos mais afinidades com esta ou aquela. Devo confessar que Hera, a mulher de Zeus, nunca me foi muito querida, posso até dizer que nunca cheguei perto de comprendê-la. Reconheço que é o arquétipo da Grande Mãe que foi destronada pelo Patriarcado e que seus ciúmes e luta pelo Poder podem vir desta tragédia que aconteceu ao feminino. 
Muitas Heras cruzaram meu caminho. Algumas divertidas como a menina que apareceu com roupão, bobes no cabelo e pau de macarrão em punho correndo atrás do namorado numa festa à fantasia em Taubaté. Já encontrei Hera que consegue num discurso de cinco minutos, inserir "MEU MARIDO" umas quatro vezes a cada frase. Por vezes fazem a sonsa mas, Afrodites de plantão, nunca subestimem esta Senhora. Quando vocês se derem conta terão virado pó aos pés dela.
Mas a poesia transforma percepções e Adélia Prado me fez perceber uma Hera possível em mim. Ao ouvir o poema senti seu cheiro, sua força, seu caráter sagrado. Honrada seja aquela que faz um barraco no beco e ressurge divinizada.

Briga no Beco

Encontrei meu marido às três horas da tarde 
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mão e palavras 
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior, fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo graças.
Desde então faço milagres.




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