terça-feira, 31 de maio de 2011

O tolo que era sábio


Mais uma vez nos deparamos com este querido, mas controverso personagem a nos lembrar algo. É necessário refletir...

O Tolo que era sábio

Todos os dias o Mullah Nasrudin ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam vê-lo fazendo o papel de tolo, com o seguinte truque: mostravam duas moedas, uma valendo dez vezes mais que a outra. Nasrudin sempre escolhia a menor.

A história correu pelo condado.

Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e Nasrudin sempre ficava com a menor. Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse:

- Sempre que lhe oferecerem duas moedas, escolha a maior.

Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros. Nasrudin lhe respondeu:

- O senhor parece ter razão, mas se eu escolher a moeda maior, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro, para provar que sou mais idiota que elas.

O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei, usando este truque. E acrescentou:

- "Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente".

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Quando a imaginação paralisa


Ter imaginação é muito bom. Creio que é uma das coisa que nos tornam mais humanos. Entretanto, percebo que, na maioria das vezes, pode estar a serviço de nossos medos. Tentamos dar conta de eventos futuros com a tal imaginação. Criamos um quadro vívido, mas sombrio de como tudo acontecerá, longos scripts das discussões que teremos. Fazemos prospecções internas de todas as possibilidades de complicações e problemas que podem nos ocorrer. E pimba! Estamos apavorados e imobilizados. Chamamos tudo isto de preparação para a vida. Acreditamos que se conseguirmos criar um quadro mental de todas as dificuldades e possíveis soluções, poderemos seguir em frente. Só que no mundo da imaginação negativa não há saídas, não há soluções. Eterno labirinto de mentes aprisionadas pelo medo herdado ou criado pela cultura com suas constantes crenças de preservação. Nossos dragões internos também são ilusórios como os daquela história infantil, Soprinho, de Fernanda Lopes. O imenso monstro é transformado num pequeno lagarto quando o menino descobre que a cada vez que sopra no ar o dragão diminui de tamanho.
A coragem necessária para tanto é despir-se de preparações e ilusões, quer sejam pessimistas demais, quer otimistas ao extremo. Viver cada dia como se apresenta, quando se apresenta. Isto sim é uma aventura e supera qualquer imaginação.

domingo, 29 de maio de 2011

O Credo de Elisa Lucinda


Amo poesia. Desde muito pequena. Na tradição religiosa onde fui criada, saber poesia era parte integrante de nossos rituais. Não só religiosa (talvez não percebessem o poder subversivo e libertador!), mas aprendíamos a recitar poemas para ocasiões especiais como Natal, Dia das Mães etc . Quem me ensaiava era minha tia e tínhamos brigas homéricas sobre a melhor maneira d e apresentar os versos. Ela propunha que me fizesse compreender por largos gestos e teatrais modulações de voz. Histriônico ao extremo. Eu preferia algo mais contido e mais voltado para o sentido da palavra. Obviamente não tinha recursos para explicar isto na época. Na hora H fazia meio lá, meio cá. Todos gostavam, mas eu sabia que tinha um jeito melhor.
Muitos e muitos anos mais tarde fui convidada por um amigo para conhecer Elisa Lucinda e seu curso de dizedores de poesia. Que delícia descobrir que existia uma forma mais fluida, mais próxima do sentir que eu tanto buscara em criança. Elisa é poeta, atriz, cantora e diva. Magnífica. A poesia salta dela como de uma fonte inesgotável. E comove. E ilumina. E transforma. Foram tardes eternas ouvindo poemas de diferentes tons. Geovana e Emilene, professoras como Elisa nos faziam repetir a exaustão até que o poema tomava forma dentro de nós e fluía sem interpretações exageradas, mas carregadas de sentimento.
Na apresentação final, num grande teatro cheio de gente e expectativa todos os alunos reluziam com seus poemas encarnados. Passamos a fazer nosso o Credo que compôs nossa mestra...






Credo

De tal modo é,
que eu jamais negá-lo poderia:
sou agarrada na saia da poesia!
Para dar um passeio que seja,
uma viagem de carro, avião ou trem,
à montanha, à praia, ao campo,
uma ida a um consultório
com qualquer possibilidade, ínfima que seja, de espera,
passo logo a mão nela pra sair.
É um Quintana, uma Adélia, uma Cecília, um Pessoa
ou qualquer outro a quem eu ame me unir.
Porque sou humano e creio no divino da palavra,
pra mim é um oráculo a poesia!
É meu tarô, meu baralho, meu tricot,
meu i ching, meu dicionário, meu cristal clarividente, meus búzios,
meu copo d'água, meu conselho, meu colo de avô,
a explicação ambulante para tudo o que pulsa e arde.
A poesia é síntese filosófica, fonte de sabedoria, e bíblia dos que,
como eu, crêem na eternidade do verbo,
na ressurreição da tarde
e na vida bela.
Amém!


sexta-feira, 27 de maio de 2011

Já vi este filme....

Ela o conheceu ainda quase menina. Era belo, forte, cheio de um charme irresistível e....Casado. Ele logo percebeu aquela nova possibilidade no pedaço e investiu com tudo. Ela, inexperiente, conheceu a maravilha de ser mulher e amada. Mas...ele era casado. Como todos os casados, sua mulher não o compreendia e nem gostava de sexo, Certo é que milagosamente ela acompanhou de longe os nascimentos dos seus três filhos. " Foi meio sem querer!"
A vida ia passando, assim como os domingos e feriados solitários. Natal nem pensar. De tempo em tempos se cansava, punha um ponto final nisto tudo... Arranjou vários namorados que eram imediatamente deixados assim que o telefone tocava. Chegou a se casar, mas não durou. Não conseguia resistir ao chamado de seu "homem".
Pressionou, chorou, fez ameaças, mas ele nunca poderia deixar a mulher: tinha filhos e que homem de caráter abandona os filhos? Depois que cresceram não conseguia se separar de quem tinha sido companheira por tanto tempo.
Surpreendentemente, um dia depois de trinta anos, chegou a sua casa de mala e cuia. Tinha se decidido enfim. Num primeiro momento, ela nem acreditou. Seu sonho tornara-se realidade. E pesadelo. Vivera tantos anos só de instantes que não conseguia suportar as manias, as idiossincrasias e os roncos. Queria também ser reconhecida em praça pública como a mulher oficial. Brigaram tanto, se desentenderam tanto que ela o convenceu que o melhor mesmo era ele reatar com a ex e assim viveriam amantes para sempre.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O escultor de imagens


Contadores de histórias gostam de contadores de histórias. Gostam de ouvir novas histórias e conhecer novas possibilidades de contá-las. Há algum tempo no Matutu encontre com uma dessas contadoras, Hildegard Wucherfennig, uma especialista em Pedagogia Waldorf, que sempre tinha uma história guardada no bolso para a ocasião propícia. Deleite-me com ela durante os almoços naquela mesa abençoada da Pousada. Indicou-me um livro precioso com histórias específicas para cada órgão do corpo. Histórias que transformam, que curam para além da mente. A de hoje é uma das minha preferidas. Remedio poderoso para a alma.

O escultor de imagens

Um escultor era famoso em sua terra por suas estátuas de bronze de Shiva, de uma beleza perfeita. O espírito de Shiva vivia em cada uma delas. O escultor recusava-se a vender as estátuas; em vez disso,dava-as de presente a templos, a monges viajantes e a pessoas comuns que necessitam delas. Em troca, os habitantes da sua aldeia o sustentavam com lentilhas e hortaliças e concediam-lhe um quartinho confortável para viver e trabalhar. Ele era uma dessas raras pessoas que podia ser considerada completamente feliz.
Um ida, o rei e seu séquito estvam passando pela aldeia para dar ao povo uma visão da grandeza real e animar as suas vidas insípidas. O rei viu as imagens de Shiva e ficou pasmo.
No dia seguinte, enviou um mensageiro para comprar uma estátua. O mensageiro estendeu um saco de ouro. Mas o escultor não estava acostumado com a oferta de ouro. O mensageiro disse que ele não podia recusar o dinheiro do rei, atirou o saco em sua direção e se afastou rapidamente com a estátua.
O artista tentou retornar ao trabalho e esquecer o incidente. Mas a partir daquele dia, para horror seu, toda estátua que ele modelava saía parecida com o rei. Desanimado, ele as derretia e tentava novamente, mas a mesma coisa acontecia.
Finalmente, ele procurou o guru da aldeia e contou o problema. "Estou profundamente ofendido pelo rei!", explodiu o artista.
"Ahhh!", disse o professor, "Quando o seu ressentimento é mais forte que seu amor, você cria aquilo que você odeia."
Depois de refletir um pouco, o escultor de imagens sabia o que tinha que fazer. Ele pegou suas roupas, a tigela de mendicância e o saco de ouro. Dia após dia, caminhava e mendigava na chuva, dormia nos templos e protegia o saco de ouro, até que chegou na capital.
Quando bateu na porta do palácio e pediu par ver o rei, os guardas riram e lhe disseram que o rei não recebia mendigos. Mas após dias e semanas, o rei finalment reparou nesse mendigo persistente e concordou em falar com ele.
"Vossa Majestade, sou um humilde escultor de imagens. Algum tempo atrás, você enviou um mensageiro até mim para comprar uma imagem. Sinto-me honrado, Vossa Majestade, mas não posso vendê-las. Aquelas imagens vieram até mim como uma dádiva de Shiva."
E ele estendeu o saco de ouro.
O rei ao ver a expressão do rosto do escultor de imagens, pegou o ouro de volta. Depois enviou-o para casa numa caravana real.
O escultor de imagens voltou para sua cabana. As pessoas perguntavam-lhe sobre a viagem, mas ele mal podia esperar para voltar ao trabalho. esculpiu uma imagem nova, criou o molde, despejou e deixou o metal esfriar e depois começou o trabalho de polir o bronze. este começou a brilhar como o Sol. Para o seu alívio, ele mais uma vez segurou nas mãos o semblante sereno de Shiva.


Mellon, Nancy "Corpo em equilíbrio: o poder do mito e das histórias para despertar e curar as energias físicas e espirituais" São Paulo, Cultrix, 2010

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Perseu e Andrômeda


Os herois gregos, mostram em suas façanhas a ascendência dos valores patriarcais e consequente declínio das Deusas e do feminino. Hércules luta com Hera e em cada tarefa destroi um símbolo do matriarcado. Jasão, Teseu, Ulisses demonstram força, astúcia e nenhum pudor em usar as mulheres em benefício próprio. Início de novos tempos, nova mentalidade que persiste até os dias de hoje.
O único remanescente dos herois em defesa da Mãe é Perseu, filho de Zeus e de uma mortal, Danae, nasce com a profecia dada a Acrísio, seu avô de que seria morto por seu neto. Para que a profecia não se cumpra, o rei aprisionou a filha , não lhe permitindo ter nenhum pretendente. Ora Zeus, era o grande deus e desejava Danae. Penetrou na prisão como uma chuva de ouro e dessa união nasceu Perseu. O rei, furioso, por ter falhado em evitar o nascimento de um neto, colocou mãe e filho numa arca de madeira e os lançou ao mar para que se afogassem.
Protegidos por Zeus chegaram ilesos a uma ilha, onde encontrados por um pescador, foram levados ao rei que os acolheu. O menino cresceu forte, belo e destemido como convinha a um filho de Zeus. Quando a mãe por fim não suportava mais as investidas eróticas do rei local, Perseu para salvá-la, aceita o desafio de buscar a cabeça da Medusa, a mais perigosa das Gorgonas. Parte para a aventura pelo grande amor que sente por sua mãe.
Medusa era terrivelmente horrenda e quem olhasse seu rosto era imediatamente transformado em pedra. Para vencê-la precisaria de ajuda dos deuses. Zeus providenciou tal ajuda: Hades,emprestou-lhe seu capacete que o tornaria invisível; Hermes , sua sandálias aladas e Atena lhe deu uma espada e um escudo tão polido que mais parecia um espelho. Assim paramentado, Perseu conseguiu se aproximar sem ser visto, observar o monstro pelo espelho e cortar-lhe a cabeça.
No caminho de volta, com a cabeça guardada num saco, o jovem avistou uma bela donzela acorrentada a um rochedo. Era Andrômeda que estava sendo sacrificada a um monstro marinho para aplacar a fúria causada às ninfas pela arrogância e orgulho de sua mãe, Cassiopéia. Tocado por sua beleza e desespero, Perseu a libertou transformando o monstro marinho em pedra com a cabeça que levava. Apaixonado, levou-a para conhecer sua mãe que atormentada pelo assédio do rei refugiara-se num templo de Atena.
Ainda uma vez, o jovem usou a cabeça da Medusa transformando os inimigos da mãe em pedra. Grato à Deusa entregou-lhe a cabeça, que Atena incrustou em seu escudo. Também devolveu aos deuses aquilo que lhe haviam emprestado. Casou-se com Andrômeda e viveram prósperos e em harmonia. Tiveram muitos filhos.
Um dia, entretanto, ao participar de jogos atléticos atirou um disco que foi levado por uma rajada de vento até muito longe atingindo e matando acidentalmente um ancião . Nada mais era do que Acrísio, seu avô. A profecia se cumpriu. Entristecido por esta morte, Perseu não aceitou o trono que lhe era devido, mas trodcou de reino com o rei de Argos e construiu ali uma grande e poderosa cidade, Micenas, onde reinou por longos anos com honra e sabedoria.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Nasrudin e o ovo


As histórias sufis, são contadas com o intuito de ensinar verdades profundas sobre o Sagrado e a vida. Ora tristes, ora engraçadas, trazem novas possibilidades de perceber a si próprio e ao mundo. Nasrudin é um dos personagens mais diletos. Vamos a mais uma de suas peripécias.


Certa manhã, Nasrudin - o grande místico sufi que sempre fingia ser louco - colocou um ovo embrulhado em um lenço, foi para o meio da praça de sua cidade, e chamou aqueles que estavam ali.

- Hoje teremos um importante concurso! - disse - Quem descobrir o que está embrulhado neste lenço, eu dou de presente o ovo que está dentro!As pessoas se olharam, intrigadas, e responderam:

- Como podemos saber? Ninguém aqui é capaz de fazer adivinhações! Nasrudin insistiu:

- O que está neste lenço tem um centro que é amarelo como uma gema, cercado de um líquido da cor da clara, que por sua vez está contido dentro de uma casca que quebra facilmente. É um símbolo de fertilidade, e nos lembra dos pássaros que voam para seus ninhos. Então, quem pode me dizer o que está escondido?

Todos os habitantes pensavam que Nasrudin tinha em suas mãos um ovo, mas a resposta era tão óbvia, que ninguém resolveu passar vergonha diante dos outros.

E se não fosse um ovo, mas algo muito importante, produto da fértil imaginação mística dos sufis? Um centro amarelo podia significar algo do sol, o líquido ao redor talvez fosse um preparado alquímico. Não, aquele louco estava querendo fazer alguém de ridículo.

Nasrudin perguntou mais duas vezes, e ninguém se arriscou a dizer algo impróprio. Então ele abriu o lenço e mostrou a todos o ovo.

- Todos vocês sabiam a resposta - afirmou. - E ninguém ousou traduzi-la em palavras".


segunda-feira, 23 de maio de 2011

O que querem as mulheres?


Pergunta sem resposta. Pergunta com infinitas respostas. Mulheres, como humanas que são, se mostram indecifráveis. Até para si próprias e aí começam as confusões. Podem achar que querem desesperadamente isto ou aquilo e estão apenas repetindo os modelos da cultura. Tenho lido nos últimos tempos ataques constantes a esta nova realidade pós-feminismo. Mulheres lamentando as perdas das benesses de ter alguém para pagar suas contas e dos desafios de se mover num mundo ainda predominantemente masculino. Ansiando por retornar a um estado de dependência. Apenas engatinhando nestes novos tempos, ainda não criamos um mundo em que sejamos iguais em direito e diferentes em todo o resto. Creio que por tantas dificuldades muitas acabam por esquecer de uma necessidade inerente a todo o ser humano e não restrita a gênero. Esta lenda do ciclo do rei Arthur pode nos revelar algo.

Numa ocasião em que o rei Artur caçava na floresta de Inglewood, distanciou-se de seus companheiros, em perseguição a um grande veado. Depois de abater o animal, um homem extraordinário aparece e ameaça matá-lo, em retaliação ao fato do rei ter dado suas terras a Sir Gawain. Mas concorda em poupá-lo, desde que Artur retorne ao mesmo lugar dali a um ano, com a resposta à pergunta: O que uma mulher realmente deseja?

Sem relatar o acontecido, Artur retorna ao convívio no castelo, mas seu estado de ânimo abatido chama a atenção de Sir Gawain e quando, questionado por este, revela seu encontro, eles percorrem juntos o mundo em busca da resposta. Depois de meses, retornam ao castelo com uma infinidade de respostas, mas nenhuma parece ser a correta.

Então Artur retorna para a floresta de Inglewood e no caminho depara com uma senhora cavalgando um belíssimo cavalo selado, com um alaúde atravessado nas costas, ela mesma tão horrorosa, que palavras não a podem descrever. Aproxima-se de Artur e lhe diz, sem subterfúgios, que as respostas que coletou são inúteis e que certamente morreria, a não ser que ele lhe prometesse casá-la com Sir Gawain e, em troca, ela lhe daria a resposta correta.

Artur então retorna ao castelo e consulta Gawain, que concorda sem hesitar, como o perfeito cavalheiro que é. Assim, Artur retorna para obter a resposta, de que ‘o que uma mulher mais quer é ter soberania sobre os homens’, resposta que ele leva ao encontro com o misterioso homem e é dispensado. Em seu caminho de volta para o castelo, é acompanhado da Dame Ragnell, o nome desta Senhora Repugnante, para realizar o casamento.

Na noite de núpcias, Gawain se retira para os aposentos em companhia da Dame Ragnell e quando se aproxima para cumprir seu dever de marido, ele se vê diante da mais bela donzela. Surpreso, ela lhe dá a opção de tê-la feia durante o dia e bonita durante a noite, ou vice-versa. Refletindo um pouco, ele lhe diz que a escolha é dela. Feliz, ela lhe revela que, ao lhe conceder a soberania, ele quebrou o encantamento que tinha sido imposto a ela, de modo que ela seria bela o tempo todo.

Ou seja, o que toda mulher quer é autonomia e soberania sobre sua própria existência. É bom sempre nos lembrarmos disso.


domingo, 22 de maio de 2011

Hesse e minha adolescência


Minha adolescência foi recheada de livros. Aquela estante de minha tia acabou por se esgotar e tive que ampliar meus horizontes. Meu pai convenceu minha avó e minha tia que deveria estudar numa escola melhor, o então renomado, Instituto de Educação Caetano de Campos. Confesso que os hormônios me tomaram e estudar era a última coisa que eu pretendia fazer, mas a biblioteca cheia de novos autores me encantou. Tive uma primeira febre "russa" e li quase tudo de Tolstói e Dostoiévski. "Guerra e Paz" em quatro volumes, cada um com 400 páginas. Diversão garantida por algumas semanas. Natasha Rostov era minha amiga inseparável, um tantinho tola como toda adolescente e por isso mesmo, adorável.
Nesta época apaixonei-me por Pessoa, descobri em mim a força de Portugal e da alma portuguesa. Vivia em busca de poemas que me tocassem para decorar. Meu heterônimo predileto, Álvaro de Campos, era ao mesmo tempo ácido e melancólico. Torturado. Eu delirava com "Tabacaria" e "Lisbon Revisited". Tempos intensos de transformações e revelações. Amores nascentes e separações por vir. Tudo era traduzido pela literatura.
Por fim mas não ao cabo, apresentaram-me Hermann Hesse e abriu-se todo um mundo de novas percepções para mim. Hoje percebo que " Sidarta" lançou as bases de um novo contato com o Sagrado que veio despontar muito mais tarde. Passou a ser um dos meus livros mais queridos e que sempre releio de tempos em tempos. Não me canso de descobrir na jornada deste ser em busca da iluminação, pistas para chegar mais perto do eterno Mistério.


" Sidarta escutava. Naquele momento, era todo ouvidos, entregando-se por inteiro à própria atenção, receptáculo totalmente vazio, prestes a encher-se. sentia que àquela hora atingiria a derradeira perfeição na arte de escutar. Quantas vezes não ouvira todos aqueles rumores, a multiplicidade das vozes que vinham do rio, mas naquele dia lhe pareciam novas. Já não era capaz de identificá-las. Não conseguia distinguir as vozes jubilosas das choronas, as infantis das másculas. Todas elas formavam uma só, a lamentação da nostalgia, a risada do ceticismo, o grito da cólera e o estertor da agonia. Tudo era uma e a mesma coisa, tudo se entretecia, enredava-se, emaranhava-se mil vezes. E todo aquele conjunto, a soma das vozes, a totalidade das metas, das ânsias, dos sofrimentos, das delícias, todo o Bem e todo o Mal, esse conjunto era o mundo. Esse conjunto era o rio dos destinos, era a música da vida. Mas, quando ele escutava atentamente o que cantava o rio, com seu coro de mil vozes, quando se abstinha de destilar dele o sofrimento ou o riso, quando cessava de ligar a alma a determinada voz e de penetrar nela com o seu espírito, quando, pelo contrário, ouvia todas elas, a soma, a unidade, acontecia que a grandiosa cantiga das milhares de vozes se resumia numa só palavra, que era OM, a perfeição.
- Estás ouvindo? - tornou a indagar o olhar de Vasudeva.
Luminosamente resplandecia o sorriso do balseiro, pairando por cima das inúmeras rugas do semblante idoso, assim como o OM pairava por cima de todas as vozes do rio. Luminosamente resplandecia o seu sorriso enquanto fitava o amigo e com igual clareza luzia no rosto de Sidarta o mesmo sorriso. Sua ferida desabrochava como uma flor, sua mágoa fulgia. Seu eu incorporara-se na unidade.
Foi nesta hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade do saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida; a serenidade que torna as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade."

Hesse, Hermann, Sidarta, Rio de Janeiro, Record, 2008.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Para quem me fez


Quando pequena a cada vez que minha avó dizia numa história a famosa frase de um ser poderoso e terrível: " Estou sentindo cheiro de carne humana!", porque teria algum visitante indesejado escondido, eu sempre visualizava minha tia. Para mim, ela aparecia forte, destemida, gigantesca até. Uma força da natureza como o Sol, a Lua ou o Ventos dos contos de minha avó. Ariana arretada, dizia o que queira e se molestava profundamente ao ouvir o que não queria. Briguenta e rabujenta, porém adorável.
Amava livros e tinha uma estante de onde eles pareciam brotar renovados. Sempre disponível para colos , histórias e jogos. Jogos que ela criava e mudava as regras de acordo com sua vontade, o que gerava uma infinidade de discussões. Cantava cantigas de ninar à beira de minha cama, até eu adormecer. Coração pleno de muito amor que destinou exclusivamente à família. Nunca namorou, nem se soube de nenhuma história de amor. Eu sempre suspeitei de uma grande desilusão, nunca confirmada.
Histórias tinha sobre futebol. Sabia a escalação dos times desde a eternidade. São paulina convicta, assistiu aos dois títulos mundiais como uma calma e confiança impressionantes. Amava programas esportivos e suas intermináveis discussões. Deixou herdeiros.
Evangélica às antigas, daquelas que honram a palavra e se mostram impolutas. Tinha uma fé que permeava todas as suas ações. Por duas vezes enfrentou assaltantes por crer que Deus a iria livrar. E livrou.
Ambígua, complexa, incoerente e muitas outras definições que só um bom exemplar de ser humano pode carregar. Grande mulher que no seu tempo abriu caminho por entre os irmãos machistas e mandões e os superou a todos. Devo a ela muito daquilo que sou. Esperei até nosso último momento que confessasse ser minha mãe. Foi muito mais que isso...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Lenda oriental



Outro dia, ouvindo uma pessoa contar um acontecimento qualquer lembrei-me de um conto deveras explicativo sobre a forma como vemos o mundo. Apesar de acreditarmos de forma inequívoca no que percebemos do mundo exterior, faria muito bem à saúde psíquica se nos lembrássemos que só encontramos fora o que existe dentro. Naquele mesmo dia quando cheguei em casa e abri meu email lá estava a história enviada por uma querida conhecida de internet, Lillian Senna que me permitiu publicá-la aqui.


Lenda oriental


Conta uma lenda do Oriente Médio, que um jovem chegou à beira
de um oásis junto a um povoado e aproximando-se de um velho perguntou-lhe:

- "Que tipo de pessoa vive neste lugar ?"

- "Que tipo de pessoa vivia no lugar de onde você vem ?" - perguntou por
sua vez o ancião.

- "Oh, um grupo de egoístas e malvados - replicou o rapaz - Estou
satisfeito de haver saído de lá."

A isso o velho replicou:

- "A mesma coisa você haverá de encontrar por aqui."

No mesmo dia, um outro jovem se acercou do oásis para beber água e vendo
o ancião perguntou-lhe:

- "Que tipo de pessoa vive por aqui ?"

O velho respondeu com a mesma pergunta:

- Que tipo de pessoa vive no lugar de onde você vem ?

O rapaz respondeu:

- "Pessoas maravilhosas, amigas, honestas e hospitaleiras. Fiquei muito triste por ter de deixá-las".

- "O mesmo encontrará por aqui"- respondeu o ancião.

Um homem que havia escutado as duas conversas perguntou ao velho :

- "Como é possível dar respostas tão diferente à mesma pergunta?

Ao que o velho respondeu :

- "Cada um carrega no seu coração o meio-ambiente em que vive.

Aquele que nada encontrou de bom nos lugares por onde passou, não
poderá encontrar outra coisa por aqui.

Aquele que encontrou amigos ali, também os encontrará aqui porque, na
verdade, a nossa atitude mental é a única coisa na nossa vida sobre a qual podemos
manter controle absoluto".

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O fio de Ariadne


Creta. Cidade do labirinto. Todos os anos era exigido à cidade de Atenas que prestasse tributo: sete jovens e sete donzelas deveriam ser entregues ao terrível destino de serem caçados e devorados pelo Minotauro naquele interminável espaço de túneis sem saída. Teseu, príncipe ateniense, resolve dar fim a este monstro. Dispõe-se a ser um dos sacrificados. Assim que chega à Creta conhece Ariadne, filha do rei Minos. Ela apaixona-se perdidamente pelo já famoso heroi, e como Medeia, resolve ajudá-lo na tarefa. Entrega-lhe uma espada para matar o Minotauro e um novelo para guiá-lo de volta à saída com a promessa de que a levaria para Atenas e lá se casaria com ela. Teseu, graças a princesa, consegue ser bem sucedido. Põe fim ao tempo do terror causado por Astérion, assim se chamava o monstro de cabeça de touro e corpo de homem.
Partem rumo à cidade do jovem, mas ao aportar na ilha de Naxos, este muda de ideia , deixa Ariadne adormecida na praia e segue viagem sozinho. Quando acorda, a princesa de Creta fica desconsolada. Afrodite se compadece de sua dor e lhe promete que será amada por um imortal.
Dioniso a encontra, dela se enamora e casam-se. O deus lhe dá uma magnífica coroa de ouro, cravejada de pedras preciosas. Quando ela morre, ele atira a coroa aos céus, as pedras vão se tornando cada vez mais brilhantes até que se transformam em estrelas conservando a antiga forma da joia. Para sempre Ariadne será lembrada. Nas histórias, por seu fio que conduz à vitória e nos céus, pela beleza de suas estrelas.
Quanto a Teseu, confirmava a ascendência do patriarcado que destruía os símbolos do feminino ou os subjugava. Teve seu merecido final trágico.
Apesar de tanta dor e ingratidão, entre este heroi e Dioniso, creio que Ariadne acabou ganhando.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Mais uma de Nasrudin


Ainda uma história deste personagem tão complexo que de tão sábio por vezes parece tolo, Nasrudin.

Maior que Deus

Nasrudin foi trabalhar como faxineiro no palácio real.

Logo no primeiro dia de trabalho, cansado, viu uma poltrona e resolveu sentar-se para descansar um pouco.
.
Quando o administrador do palácio entrou no salão e viu Nasrudin descansando no trono do rei, ficou indignado e lhe perguntou:

"Quem você pensa que é para ficar aí sentado? Por acaso você é o rei?"

"Não!" Respondeu Nasrudin, "sou mais que isso!"

"Ah! Mais que rei! Então você deve ser um santo. Será?" Perguntou o administrador.

"Não! Sou mais que isso!" Respondeu Nasrudin.

"Bem, então você pensa que é Deus?" Questionou o homem.

"Não! Sou mais que isso." Tornou a responder Nasrudin.

O administrador, indignado, disse: "Seu infiel! Nada é mais que Deus."

"Isso! É isso que eu sou, nada!" Encerrou Nasrudin.


segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre certezas


Cresci dentro de uma família fundamentalista onde tudo se sabia. Sobre a vida, sobre a morte, sobre a vida após a morte. Sobre o certo, sobre o errado, o bem e o mal. As certezas faziam parte de minha paisagem até onde se podia enxergar. Eu, porém, sempre percebi uma inquietação lá no fundo a me incomodar. Como estas pessoas podiam acreditar tanto que sempre estariam certas? Como ter certeza de que possuíam a verdade última? Claro que isto me criou muitos problemas e péssima reputação. Segundo eles, eu era descrente e dava ouvidos ao "mundo".
Nós, humanos, precisamos de algumas diretrizes para nos localizar na existência. Certezas simples de que o Sol estará lá quando acordarmos, de que a gravidade irá nos manter próximos do chão e assim por diante. Sentimos grande conforto em saber algumas coisas que podem nos economizar tempo e neurônios em ter que repensar a cada vez. O problema começa quando passamos a adquirir certezas sem qualquer reflexão prévia. Aceitamos que as pessoas são assim ou assado por causa de sua origem, cor de pele ou orientação sexual, sem nos dar ao trabalho de conhecer aquele que está na nossa frente. Podemos viver uma vida inteira orientados por afirmações das quais sequer temos consciência. Assumimos uma Constituição interna de crenças e nem nos damos conta de onde e porque vieram.
No processo da psicoterapia nos debruçamos sobre estas mesmas certezas e lentamente vamos levantando perguntas e mais perguntas: " Por que?", " Porque não?", "Quem disse?". Tudo é remexido e revisto. Trabalho árduo, desgastante e que causa muita angústia. Mas absolutamente necessário. Há que se tirar todo entulho que esconde aquilo que realmente somos e pensamos. Até que seja possível seguir com menos cargas impostas e mais descobertas pessoais. Aprender que é mais importante saber perguntar do que responder. Caminhar num mundo eternamente novo que pode ser descoberto a cada experiência.
Numa oficina realizada por mim e pela Cris Balieiro, recebemos nosso maior elogio. Somos professoras de dúvidas. Fazemos com que as pessoas saiam com mais perguntas do que respostas. Que assim seja!

domingo, 15 de maio de 2011

Lya e suas histórias


"Eu quero o delírio.
Eu sou assim.
Não pretendo a integração, mas a abertura e a busca.
Encontrar pode ser impossível ou desinteressante.
Quero o pressentimento.
Quero comprimir a tecla do computador e explodir o ponto e
arquear o contorno, varando os limites que a vida há de preencher e
o sonho tornará possível.
Quero o delírio que me permita cumprir o cotidiano e amar o
amor necessário - mas que também faça as utopias virem sentar-se na
minha varanda e escrever no meu computador quando a razão estiver
Cansada, quando a técnica parecer frívola, ou quando eu estiver descrente."

Assim Lya Luft começa seu maravilhoso livro "Histórias do Tempo" . Fala da multiplicidade de seres que habitam nossos mundos interiores. Ambigidades, ambivalências, paradoxos e múltiplas possibilidades compõem nosso rico panorama interno. Lya divide didaticamente em duas personagens principais: Medésima e Altéria. Uma cuida das necessidades e urgências do cotidiano e a totalmente outra, como o nome aponta, transita pelos ares e cavernas de um insuspeitado e maravilhoso mundo de imagens, ora luminosas, ora sombrias. Alternam-se histórias dos encontros e desencontros, embates e delícias desta multiplicidade humana.
Gosto especialmente do capítulo sobre gente e anjos. Mas isto já é outra história...



sábado, 14 de maio de 2011

Senso de direção


Muito pequena, fui morar com minha avó e minha tia numa casinha assobradada perto da Serra da Cantareira. Nos fundos não havia muros entre os quintais, uma vez que as outras casas também pertenciam a outros membros da família. Lá apareceram duas grandes gatas grávidas. Deram à luz dez gatinhos no total. Eu fiquei simplesmente apaixonada por tantos filhotinhos e dei nome a cada um deles. Mas era tanto gato, tanto gato, que um dia meu tio se cansou. Pegou as gatas, a filhotada toda e colocou num grande saco ( o tal saco já não sei se é memória ou criação), pegou seu Jeep e os levou para bem distante. Chorei até desanimar. Dois dias depois lá estavam de volta as gatas e todos os gatinhos. Que alegria, a minha! Porém, se as gatas eram espertas, meu tio era mais ainda. Colocou-os todos de novo no saco e no Jeep e os levou tão longe, tão longe que nunca mais voltaram. Passei parte da minha infância olhando para todos os gatos imaginando se não seriam aqueles perdidos.
O que ninguém poderia suspeitar foi o terror que isto causou em mim. Se jogavam filhotes, obviamente para qualquer mentalidade lógica, a próxima seria eu. Comecei a tecer estratégias e planos para voltar para casa quando me deixassem em algum lugar. Como aprendi a ler bem cedo, observava bem os nomes dos ônibus e seus roteiros, guardava em minha pequena bolsa todas as moedas que ganhava para ter dinheiro suficiente para pagá-los se necessário fosse e tinha certeza que seria. Aprendi com João e Maria - e ainda tinha esta história a me confirmar - a fazer marcações pelos caminhos.
Quando adulta contei minhas fantasias ficaram todos muito indignados por eu pensar que poderiam me abandonar e por achar que eu valia tanto quanto gatos sem raça definida. Quanto aos gatos, não sei se humanos podem superá-los, mas que me ajudaram a construir um senso de direção apurado, lá isso ajudaram. Sei ir e vir como poucos, ao ponto de amigos desligarem o GPS por confiarem em minhas instruções. Graças aos bichanos perdidos de minha longínqua infância virei o Guia Cassioplan de ruas e trajetos de ônibus. Saldo positivo de uma triste história...

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A Princesa Obstinada


Encontrei meu mestre contador de histórias num dos melhores Encontros que já participei. Travamos amizade e ele veio para São Paulo dar um curso sobre " O processo criativo na arte de contar histórias". Passamos um final de semana trabalhando a fundo um conto sufi. Cada detalhe foi considerado e no final a história parecia impregnada em cada um de nós. Repetimos a última frase à exaustão até que a sentíssemos no fundo de nossa alma. A história passou a me acompanhar desde então. Traz muita sabedoria e revela possibilidades...

A princesa Obstinada

Um certo rei acreditava que o correto era o que lhe haviam ensinado e aquilo que pensava. Sob muitos aspectos era um homem justo, mas também uma pessoa de idéias limitadas.

Um dia reuniu suas três filhas e lhes disse:
- Tudo o que tenho é de vocês, ou será no futuro. Por meu intermédio vieram a este mundo. Minha vontade é o que determina o futuro de vocês, e portanto o seu destino.

Obedientes e persuadidas da verdade enunciada pelo pai, duas das moças concordaram. Mas a terceira retrucou:
- Embora a minha posição me obrigue a acatar as leis, não posso acreditar que meu destino deva ser sempre determinado por suas opiniões.
- Isso é o que veremos... disse o rei.

Ordenou que prendessem a jovem numa pequena cela, onde ela penou durante alguns anos. Enquanto isso o rei e suas duas filhas submissas dilapidaram bem depressa as riquezas que de outro modo também seriam gastas com a princesa prisioneira.

O rei disse para si mesmo:
- Essa moça está encarcerada não por vontade própria, mas sim pela minha. Isto vem provar, de maneira cabal para qualquer mentalidade lógica, que é a minha vontade e não a dela que está determinando seu destino.

Os habitantes do reino, inteirados da situação de sua princesa, comentaram:
- Ela deve ter feito ou dito algo realmente grave para que um monarca, no qual não descobrimos nenhuma falha, trate assim a sua própria filha, semente viva de seu sangue.

Mas ainda não haviam chegado ao ponto de sentir a necessidade de contestar a pretensão do rei de ser sempre justo e correto em todos os seus atos.

De tempos em tempos o rei ia visitar a moça. Conquanto pálida e debilitada pelo longo encarceramento, ela se obstinava em sua atitude.

Finalmente a paciência do rei chegou a seu derradeiro limite:
- Seu persistente desafio - disse à filha - só servirá para me aborrecer ainda mais, e aparentemente enfraquecerá meus direitos caso você permaneça em seus domínios. Eu poderia matá-la, mas sou magnânimo. Assim, me limitarei a desterrá-la para o deserto que faz divisa com meu reino. É uma região inóspita, povoada somente por animais selvagens e proscritos excêntricos, incapazes de sobreviver em nossa sociedade racional. Ali logo descobrirá se pode levar outra existência diferente daquela vivida no seio de sua família; e se a encontrar, veremos se a preferirá à que conheceu aqui.

O decreto real foi prontamente acatado, e a princesa conduzida à fronteira do reino. A moça logo se encontrou num território selvagem e que guardava uma semelhança mínima com o ambiente protetor em que havia crescido. Mas bem depressa ela percebeu que uma caverna podia servir de casa, que nozes e frutas provinham tanto de árvores como de pratos de ouro, que o calor provinha do Sol. Aquela região tinha um clima e uma maneira de existir próprios.

Depois de algum tempo ela já conseguira organizar sua vida tão bem que obtinha água de mananciais, legumes da terra cultivada e fogo de uma árvore que ardia em chamas.
- Aqui, murmurou para si própria a princesa desterrada, - há uma vida cujos elementos se integram, formando uma unidade, mas nem individual ou coletivamente obedecem às ordens de meu pai, o rei.

Certo dia um viajante perdido, casualmente um homem muito rico e ilustre, encontrou a princesa exilada, enamorou-se dela e a levou para seu país, onde se casaram.

Passado algum tempo os dois decidiram voltar ao deserto, onde construíram uma enorme e próspera cidade. Ali, sua sabedoria, recursos próprios e sua fé se expandiram plenamente. Os "excêntricos" e outros banidos, muitos deles tidos como loucos, harmonizaram-se plena e proveitosamente com aquela existência de múltiplas facetas.

A cidade e a campina que a circundava se tornaram conhecidas em todo o mundo. Em pouco tempo eclipsara amplamente em progresso e beleza o reino do pai da princesa obstinada.

Por decisão unânime da população total, a princesa e seu marido foram escolhidos como soberanos daquele novo reino ideal.

Finalmente o pai da princesa obstinada resolveu conhecer de perto o estranho e misterioso lugar que brotara do antigo deserto, povoado, pelo menos em parte, por aquelas criaturas que ele e os que lhe faziam coro desprezavam.

Quando, de cabeça baixa, ele se acercou dos pés do trono onde o jovem casal estava sentado e ergueu seus olhos para encontrar os daquela soberana, cuja fama de justiça, prosperidade e discernimento superava em muito o seu renome, pôde captar as palavras murmuradas por sua filha:
- Como pode ver, pai, cada homem e cada mulher têm seu próprio destino e fazem sua própria escolha.

Histórias da Tradição Sufi - Rio de Janeiro, Edições Dervish - Instituto Tarika, 1993

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Atalanta e Hipômenes


Atalanta nasceu princesa. Seu pai, entretanto, queria um filho homem e a rejeitou, abandonando o bebê no monte Partênio. Alimentada por uma ursa, criada por caçadores, cresceu devota de Ártemis e disposta a jamais se casar. Era bela, enigmática, com um rosto muito masculino para uma mulher e muito feminino para um homem. Tornou-se heroína por ter participado da caçada ao javali de Calidônia e contam que teria participado da famosa viagem dos Argonautas.
O pai, ao saber da filha tão forte e corajosa, chamou de volta e foi acolhida, enfim, como a filha do rei. Para bem cumprir seu papel deveria escolher um pretendente e se casar. Amando a Deusa virgem e advertida por uma profecia que o casamento lhe traria a ruína, Atalanta prometeu se casar com aquele que a vencesse numa corrida. Com a pena de, se perder , o pretendente deveria descer ao Hades, ou seja, morrer. Apesar desta possibilidade muitos jovens se dispuseram a enfrentar a prova, muitos pelo reino que herdariam, muitos pela fama que teriam. Todos perdiam pois Atalanta era a mais rápida mortal que já existira, podendo competir com o próprio Hermes.
O juiz destas competições, ficava intrigado porque homens tão fortes e jovens se dispunham a esta disputa mortal. Até que um dia observou a jovem despir-se para a prova. O corpo perfeito, os cabelos soltos, tudo nela o encantou. Apaixonou-se perdidamente. Resolveu recorrer à grande Afrodite e pedir-lhe ajuda para conquistar a inconquistável. A deusa deu-lhe três maças de ouro e instruiu Hipômenes a ir jogando os pomos durante a corrida, o que iria distrair Atalanta.
Assim o fez, apresentou-se para a prova, o que espantou a todos, inclusive a corredora. Era muito ágil, mas não poderia se comparar a ela. Logo depois da saída tomou vantagem, mas parecia inevitável ser ultrapassado. Jogou a primeira maçã. A jovem se distraiu com a beleza e o brilho da fruta, parando para apanhá-la, dando a ele uma grande vantagem. Quando o estava quase alcançando novamente, ele jogou o segundo pomo e ainda mais uma vez até que, por fim, o jovem venceu a corrida.
Fascinada por aquele que a vencera, apaixonou-se também, Viveram intensamente esta paixão, casaram-se, tiveram um filho. Esqueceram-se, porém, de agradecer a quem os tinha unido. Afrodite não perdoou tal ingratidão, levando-os a fazer amor num templo de Zeus, que irado com a violação de seu santuário, transformou os dois em leões para puxar seu carro.
E assim se cumpriu a profecia. Com os deuses, não é bom se esquecer...


terça-feira, 10 de maio de 2011

Nasrudin e as mulheres...


Lembrei-me hoje de uma pequena anedota que se conta com aquele personagem sufi, Nasrudin. Ele é meio sábio, meio tolo, mas suas histórias tem um ensinamento embutido que nem sempre é óbvio. Quando escrevia na Folha Paulo Coelho publicou muitas delas. Esta quem que me contou foi meu mestre contador.

Nasrudin morreu e foi levado aos céus. Com a curiosidade que lhe era peculiar pediu a Deus se poderia fazer-lhe algumas perguntas. Como Deus é grande em misericórdia concedeu-lhe o pedido. Nasrudin sem hesitar perguntou:
- Deus por que o Senhor, em sua glória e sabedoria, fez a mulher tão perfumosa?
E Deus respondeu:
- Para que tu a ames, Nasrudin.
O homem continuou:
- Deus por que, em sua majestade e poder, fez a mulher tão macia?
- Para que tu a ames, Nasrudin.
Por fim o homem perguntou:
- Mas por que, enfim, o Senhor a fez tão burra?
- É para que ela te ame, Nasrudin, É para que ela te ame.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sobre ser Psi...


Creio que nasci psicóloga. Desde muito pequena adorava observar as pessoas e me intrigar com as peculariedades de cada uma. Os adultos eram, na maioria das vezes, incompreensíveis. Para tentar me situar no mundo criava teorias e mais teorias sobre como as coisas aconteciam. Uma das questões que intrigou por longos dias era como minha avó e minha tia que me criavam eram incoerentes. Diziam uma coisa num dia e no seguinte mudavam completamente de ideia. Dei tratos à bola e cheguei a conclusão que cada uma delas tinha uma outra, igualzinha, que se revezava dia após dia. Quando trocavam contavam acontecimentos e decisões para a outra, para que não houvesse desconfianças. Acreditava que, por vezes, alguém esquecia de algo e pimba!, lá vinha a incoerência. Quanto à minha tia ficou fácil descobrir onde a troca se dava, ela ia trabalhar todos os dias e voltava sempre outra. Já a minha avó me deu muito trabalho para descobrir, uma vez que ficava o dia todo comigo e eu, na investigação, não a perdia de vista. Depois de muito analisar consegui descobrir que ela trocava com a outra avó na hora em que ia comprar pão na padaria antes de eu acordar. Teoria fechada, acalmou minhas angústias de criança à mercê das instabilidades dos adultos.
Quando resolvi fazer psicologia muitos anos mais tarde, nem me lembrava mais desta e de outras teorias que teci quando menina. Os adultos continuaram e continuam a me intrigar. Aprendi várias e várias teorias sobre a construção da mente humana. Algumas me encantam mais que outras. Sempre tive uma queda por aquelas que colocam a possibilidade de saúde em primeiro plano. Rogers, Reich, Winnicot, Jung... Gosto de acreditar que temos a capacidade de nos tornarmos a cada dia mais humanos na plena acepção da palavra, contemplando todos os aspectos deste ser tão complexo e paradoxal. Para isto trabalho dia a dia, criando mais e mais dúvidas para que as pessoas, incoerentes ou não, criem espaços para uma existência mais verdadeira.

domingo, 8 de maio de 2011

Para quem me tornou Mãe

Era bem jovem e comecei a sentir coisas estranhas...Fome desmesurada e enjôo persistente. Sono sem fim e uma vontade de comer salame, salada de tomate e tomar Guaraná Antártica. Fiz o exame e deu positivo: estava grávida. Assim de sopetão saí de um estágio da vida para outro, sentia que era a Deusa gestando o mundo. Ao mesmo tempo apavorada pela ideia de parir um bebê. Passei o oitavo mês inteiro sem dormir considerando todas as possibilidades do nascimento e cheguei à conclusão mais que óbvia que não queria passar por aquela parte da brincadeira. Foi a primeira vez que a inevitabilidade me tocou. Não havia mais volta, algo iria acontecer.
Depois de tanto terror interno veio o parto que foi normal e tranquilo. Experiência de pico. Visitação da vida. E olhei pela primeira vez para aquele pequeno ser eterno em minha vida. E agora? Amamentar com seus olhinhos nos meus, fraldas e mais fraldas, excesso de cuidados de mãe de primeira viagem. Quanto estava começando a me acostumar, acontece de novo: grávida! Retomo a jornada com uma no colo e outro no ventre. Gravidez diferente e complicada e chega o "Trovãozinho", como o chamava a avó.
Diversão, barulho e confusão em dobro. Quando estavam felizes e de bem um com o outro conseguiam ser mais difíceis do que quando estavam a se matar. Sofás, paredes e portas desenhados. Mundos, mapas e novas línguas criados. Muita bola para jogar e histórias para contar. Cresceram e vieram as primeiras dores de amor, as primeiras decisões mais sérias.
Chegou o terceiro já grandinho e cheio de manias, porém com um coração do tamanho do mundo e um estômago ainda maior que o coração. A família ficou completa. Como mestre me ensinaram uma infinidade de coisas sobre mim: meus limites, minha impotência, minha dificuldade de lidar com frustração e erro. Sobre liberdade, escolhas, respeito ao outro, aceitação das diferenças e por aí vai. Num infinito cotidiano de esbarrões e beijos, desencontros e incompreensões bem como de aconchegos e confidências.
Se os eduquei bem não tenho certeza, mas que eles me fizeram ir além de mim, lá isto fizeram.
Como sempre digo a cada um dos três: " Você conseguiu frustrar todas as minhas expectativas e em muito superar meus sonhos!"
Sou-lhes imensamente grata por terem me tornado Mãe!

sábado, 7 de maio de 2011

Sobre mães...


Outro dia uma querida minha contou-me o que lhe tinha dito seu filho de quatro anos: " Mãe, eu te amo tanto que se você não fosse minha mãe eu ia te achar." Amor assim não acontece todo dia, como diz a canção. Ser mãe é tudo junto e ao mesmo tempo. Tem estes momentos pelos quais se vive uma vida. Tem aqueles em que não temos a menor ideia do porquê entramos nesta brincadeira insana.
Somos tragadas infinitas vezes por emoções conflitantes com as quais temos de lidar de alguma maneira que não prejudique muito aquele pequeno grande Outro. Winnicot, um pediatra que estendeu a Psicanálise até os bebês, graças a Deus, nos lembra que temos que apenas ser mães suficientemente boas, nem mais, nem menos e que nem adianta tentar ser perfeita e nunca errar.
Temos que criar um mundo seguro e depois gradativamente mostrar que existe frustração e que, muitas e muitas vezes, a vida dirá NÃO. Aceitar que nosso amor é limitado e que não os salvaremos nem da vida, nem deles mesmos. Missão quase impossível que cumprimos dia a dia, sem muita glória ou glamour.
Nem tudo é amor e alegria. Sabemos bem o quanto mães podem ser destrutivas e temos que encarar esta possibilidade em nós. Ir além da posse e das certezas sobre o caminho do Outro, ainda que seja filho. Desafio que pode nos tornar melhores ou apenas preencher nossos anseios por uma preocupação constante. Escolha menos complexa do que tê-los ou não tê-los. Como sabê-lo?

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Celebrando Freud



Há 155 anos nasceu uma figura que se tornou extremamente polêmica e que mudou o rumo da compreensão humana sobre a existência. Mais um golpe foi dado na arrogância natural de quem se considerava centro do Universo, coroa da criação e senhor de sua própria vontade. Como sua ideias foram amplamente disseminadas nos esquecemos da coragem necessária para enfrentar o status quo de sua época colocando uma instância desconhecida, o inconsciente no centro da discussão sobre a psique humana bem como a sexualidade com um de seus eixos principais.
John Huston filmou em sua homenagem um clássico: " Freud além da alma". O filme nos mostra os primórdios da psicanálise , quando foram feitas as primeiras descobertas sobre a possibilidade se se interferir na doença mental pela fala dos pacientes. Mostra como o jovem médico começou a esboçar os primeiros rudimentos de sua teoria, o que desembocou na criação da Psicanálise. Baseado num roteiro de Jean-Paul Sartre e com desenhos de Salvador Dali para ilustrar os sonhos, o filme é uma obra prima para celebrar a vida deste grande gênio que se não explica, instiga...





Adélia e seu amor feinho


O amor é tema constante tanto na psicoterapia, quanto nas mesas de bar. Todos estão à sua procura. Cada qual busca o seu. Idealizado ao extremo, solução de todos os problemas, remédio para todas as dores. Ligamos o rádio e todas as canções falam exaustivamente do amor. De preferência daquele que se perdeu ou que nunca foi correspondido. Amor impossível rende, mais que samba, uma extensa literatura. Se a proposta fosse parar para sentir, muitas vezes nos depararíamos com esta necessidade maior de viver uma história do que uma relação. Disponibilizar-se para um encontro profundo com o Outro e conosco mesmos não é missão fácil. Aceitar desilusões que acontecem na convivência diária. Despir as roupas mágicas de uma personagem amável que criamos. Grandes desafios se descortinam depois dos momentos encantados dos primeiros encontros. Viver o dia a dia sem grandes emoções, dramas ou sobressaltos mas com uma disponibilidade imensa de ir além das ilusões e amar de verdade.
Gosto bastante de um poema de Adélia Prado que fala deste amor diário, sem deslumbramentos nem fantasias, porém, ainda assim repassado de poesia.

Amor Feinho

Eu quero amor feinho.
Amor feinho não olha um pro outro.
Uma vez encontrado, é igual fé,
não teologa mais.
Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.
Tudo que não fala, faz.
Planta beijo de três cores ao redor da casa
e saudade roxa e branca,
da comum e da dobrada.
Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem você é mulher.
Amor feinho não tem ilusão,
o que ele tem é esperança:
eu quero amor feinho.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Como as histórias foram criadas...


Nasci e fui criada numa tradição religiosa que privilegiava histórias. Aprendi a ler num grande livro cheio de muitas histórias fantásticas que compunham meu universo infantil. Quando tinha 6 anos contei minha primeira história em público, na escola dominical, sobre o primeiro capítulo do grande livro que descreve como o mundo foi criado. Lembro que usei como recurso uns círculos que pintei para falar de cada dia da criação.Tinha que contar para os pequenininhos de 3 anos. Foi bom! Gostei tanto que nunca mais parei...
Muitos anos depois me deparei com Clarissa Pínkola e coincidentemente ela narra em sue livro, "O jardineiro que tinha fé", que a primeira história que criou foi justamente esta, com adaptações. Sinto-me profundamente honrada em ter algo em comum com minha grande mestra.

A Criação da Histórias

Como as histórias nasceram? Ah, as histórias vieram ao mundo porque Deus se sentia só.
Deus se sentia só? Claro que sim, sabe? Porque o vazio no início dos tempos era muito escuro. O vazio era escuto porque estava tão abarrotado de histórias que nem uma única história conseguia se salientar das outras.
As histórias estavam, portanto, sem forma, e olhar de Deus passeava pelas profundezas, à procura, em busca de uma história. E a solidão de Deus era imensa.
Finalmente, surgiu uma grande ideia, e Deus murmurou:" Que se faça a luz".
E veio tanta luz que Deus pôde estender a mão para o vazio e separar as histórias sombrias das de luz. Daí resultou o nascimento de claras histórias matinais bem com de belas histórias noturnas. E Deus viu que isso era bom.
Deus, então, ficou animado e passou a separar as histórias celestiais das histórias terrenas, e estas das histórias sobre a água. Deus teve enorme prazer em criar as árvores pequenas e grandes, as plantas e as sementes para que pudessem haver histórias sobre as árvores, as sementes e as plantas também. Deus riu de contentamento, e do riso de Deus as estrelas e o céu caíram nos seus lugares. Deus instalou no céu a luz dourada, o sol, para dominar o dia: e a lua, a luz de prata, para dominar a noite. E no fundo, Deus as criou para que houvesse histórias sobre as estrelas e a lua, sobre o sol e histórias sobre todos os mistérios da noite.
Deus ficou tão satisfeito com elas que passou a criar pássaros, monstros marinhos e todas as criaturas vivas que se movem, todos os peixes e as plantas debaixo d'água, todos os seres alados, todo o gado e as criaturas rastejantes, todos os animais da terra, de acordo dom sua espécie. E de todos eles vinham histórias sobre os mensageiros alados de Deus, histórias sobre fantasmas e monstros, baleias e peixes, e outras histórias sobre a vida antes que a vida se conhecesse, sobre tudo que a vida tinha no momento e tudo que viria a nascer um dia.
No entanto, mesmo com todas essas criaturas fantásticas e essas histórias magníficas, mesmo com todos os prazeres da criação, Deus ainda esta solitário.
Deus andava de um lado para o outro e pensava. Pensava e andava de um lado para o outro. E finalmente ocorreu um ideia ao nosso grande Criador! "Ah. Vamos criar seres humanos à nossa imagem, à nossa semelhança. Que eles cuidem de todas as criaturas dos mares, dos ares e da terra, e que delas recebam cuidados também".
E então criou os seres humanos com o pó da terra e soprou nas sua narinas o alento da vida. e os seres humanos se tornaram almas viventes. Homem e mulher, Deus os criou. E à medida que foram criados, de repente, todas as histórias que acompanham o fato de ser totalmente humano também ganharam vida, milhões e milhões de histórias. E Dues abençoou todas elas e as colocou num jardim chamado Éden.
Agora Deus passeava pelos céus todo sorrisos, porque afinal, sabe, Deus não se sentia mais só.
Não eram as histórias que estavam faltando na criação, mas sim, e de modo mais específico, os humanos expressivos que pudessem contá-las.

Estés, Clarissa Pínkola - O jardineiro que tinha fé: uma fábula sobre o que não pode morrer nunca - Rio de Janeiro: Rocco,1996
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