segunda-feira, 21 de maio de 2012

Passarinhos, Manoel e Bach

Há tempos conhecia Manoel de Barros. Agora me encantei tão plenamente que todo dia descubro algo novo, belo e de tão singelo, comovente.Quando se junta a Bach então...














DE PASSARINHOS

Para compor um tratado sobre passarinhos
É preciso por primeiro que haja um rio com árvores
e palmeiras nas margens.
E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos
goiabeiras.
E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.
É preciso que haja insetos para os passarinhos.
Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.
A presença de libélulas seria uma boa.
O azul é muito importante na vida dos passarinhos
Porque os passarinhos precisam antes de belos ser
eternos.
Eternos que nem uma fuga de Bach.





sexta-feira, 11 de maio de 2012

O olhar de Caeiro

    Tem dias em que só a poesia ilumina. Só a poesia nos traduz. Só a poesia nos conforta... Caeiro em seu Guardador de Rebanhos surge sempre como um bálsamo.
      O meu olhar é nítido como um girassol.
      Tenho o costume de andar pelas estradas Olhando para a direita e para a esquerda, E de vez em quando olhando para trás... E o que vejo a cada momento É aquilo que nunca antes eu tinha visto, E eu sei dar por isso muito bem... Sei ter o pasmo essencial Que tem uma criança se, ao nascer, Reparasse que nascera deveras... Sinto-me nascido a cada momento Para a eterna novidade do Mundo...Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... Eu não tenho filosofia; tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso Porque quem ama nunca sabe o que ama Nem sabe por que ama, nem o que é amar... Amar é a eterna inocência, E a única inocência não pensar...

    quarta-feira, 9 de maio de 2012

    " Se contarmos..."


    Como a poesia, tal qual veneno e cura  depois de uma semana intensamente exposta, ainda circula em minhas veia chegamos a este poema que desvela caminhos inesperados dos encontros e desencontros amorosos. Deu certo trabalho à bela que o escolheu...

    De Martha Medeiros

    Se contarmos todas as palavras que trocamos
    Daria para escrever um bom romance
    Eu nem te conhecia e contei meus absurdos
    Tu nem me conhecia e contou teus muitos planos

    Se contarmos todos os olhares que trocamos
    Daria para encher um lago inteiro
    Eu nem te conhecia e contei o meu passado
    Tu nem me conhecia e contou teu desespero

    Se contarmos todos os silêncios que trocamos
    Daria para povoar um edifício
    Eu nem te conhecia e contei meus vinte anos
    Tu nem me conhecia e contou teus sacrifícios

    Se contarmos todas as fantasias que trocamos
    Daria pra dizer que amantes fomos
    Mas o amor exige beijos e abraços
    E não reconheceu o nosso encanto

    terça-feira, 8 de maio de 2012

    Adélia e sua Serenata

    A cada vez que encontramos com a poesia ela nos toma, nos traduz. Adélia Prado faz isto com uma maestria inigualável. Já presenciei algumas companheiras de Oficina falando esta preciosidade que traz à luz uma expectativa e uma dor muito conhecidas. O resultado é sempre belo...




    A Serenata

    Uma noite de lua pálida e gerânios
    ele virá com a boca e mão incríveis 
    tocar flauta no jardim.
    Estou no começo do meu desespero
    e só vejo dois caminhos: 
    ou viro doida ou santa.
    Eu que rejeito e exprobo
    o que não for natural como sangue e veias
    descubro que estou chorando todo dia,
    os cabelos entristecidos,
    a pele assaltada de indecisão.
    Quando ele vier, porque é certo que vem,
    de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
    A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
    - só a mulher entre as coisas envelhece.
    De que modo vou abrir a janela,se não for doida?
    Como a fecharei, se não for santa?

    segunda-feira, 7 de maio de 2012

    "As violetas me imensam"

    Semana de poesia. Semana cheia de idas e vindas, dores e emoções desencontradas. Palavras saltando dos recônditos mais esquecidos. Escolheram-me dois poemas para me possuir. Adélia veio tranquila e sábia, como sempre. Fluía doce. Mas Manoel de Barros é outra coisa. Apaixonei-me mas parecia que não ia dar em nada. A principio um encontro meio desajeitado em que as palavras não pareciam querer passear por mim. Quase deixei pra lá e fui procurar um Quintana, um Caeiro. Mas não. Tinha que ser ele. E depois de um longo domingo de conflitos e discussões aconteceu:  Manoel, enfim , foi meu e eu, toda dele...




    De Manoel de Barros


    Não é por me gavar
    mas eu não tenho esplendor.
    Sou referente pra ferrugem
    mais do que referente pra fulgor.
    Trabalho arduamente para fazer o que é desnecessário.
    O que presta não tem confirmação,
    o que não presta, tem.
    Não serei mais um pobre diabo que sofre de nobrezas.
    Só as coisas rasteiras me celestam.
    Eu tenho cacoete pra vadio.
    As violetas me imensam


    sexta-feira, 4 de maio de 2012

    Poesia falada

    Esta semana estou me banhando de poesia. Delicioso ouvir poemas novos e outros velhos conhecidos. Cada um colore com seu tom as palavras e o mundo se descortina belo. Uma poeta que se fez presente é Viviane Mosé. Surpreendentemente tocante...




    A Palavra

    é uma roupa que a gente veste
    uns gostam de palavras curtas
    outros usam roupa em excesso
    existem os que jogam palavra fora
    pior são os que usam em desalinho
    cores brigando, substantivos em luta
    alguns usam palavras raras
    poucos ostentam palavras caras
    tem quem nunca troca
    tem quem usa a dos outros
    a maioria não sabe o que veste
    alguns sabem e fingem que não
    uns nunca usam a roupa certa para ocasião
    tem os que se ajeitam bem com poucas peças
    outros se enrolam no vocabulário de muitas
    eu adoro usar palavra limpa
    tem gente que estraga tudo o que usa
    com quais palavras você se despe?


    Poema do livro TODA PALAVRA, Sete Letras, 1997.

    terça-feira, 1 de maio de 2012

    Oficina de dizer Poesia

    Esta semana terei mais uma vez o privilégio de aprender poesia com Elisa Lucinda e Geovana Pires. Mergulhar nas palavras de nossos amados poetas, me perder na beleza ou crueza das imagens desveladas nos versos. Esta oficina também traz novos amigos, personagens que ,como eu, amam aventurar-se por este universo que é o poema. Lembro-me de um querido que escolheu este Pessoa e trabalhou incessantemente para conseguir dizer o poema com leveza e desenvoltura. Árdua missão de decorar e falar com sensibilidade.Comovente resultado... Dá-lhe sublime Pessoa:




    Há doenças piores que as doenças,
    Há dores que não doem, nem na alma
    Mas que são dolorosas mais que as outras.
    Há angústias sonhadas mais reais
    Que as que a vida nos traz, há sensações
    Sentidas só com imaginá-las
    Que são mais nossas do que a própria vida.

    Há tanta cousa que, sem existir,
    Existe, existe demoradamente,
    E demoradamente é nossa e nós...
    Por sobre o verde turvo do amplo rio
    Os circunflexos brancos das gaivotas...
    Por sobre a alma o adejar inútil
    Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

    Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

    Fernando Pessoa
    Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...