domingo, 18 de dezembro de 2011

Ainda sobre encontros...

Acredito  nos encontros humanos. Acredito que tudo o que somos vem à tona quando nos relacionamos. Os encontros nos revelam e nos produzem. Acabei de ler este relato de uma amiga queridíssima que mora na Suíça.
Num instante surge a possibilidade de tocar e ser tocado pelo outro. Assim a vida pode ser sempre rica e cheia de  nuances inesperadas. Bendito seja o humano que ainda se abre para outro humano. Dele será o reino da gentileza e da compaixão!

Deus, permita que eu enxergue o que se passa no coração do outro mesmo que ele dissimule e pareça estar bem... Ontem fui tomar o bonde (aqui se chama tram) e sentei ao lado de uma senhora que tinha um caderno nas mãos e uma sacola. Estava eu indo para casa e aqui não existe o hábito de falar com estranhos, principalmente nos transportes públicos. Porem algo meu chamou a atenção nela: o olhar desviado do meu, o zelo pelo caderno e o fato dela o abrir constantemente mas não prender-se muito nele. De repente algo dentro de mim saltou e virei para ela e perguntei se estava bem. Ela me olhou espantada e disse de forma tão rápida: Sim, estou bem ..porque vc pergunta? E eu respondi: Não sei, apenas senti aqui dentro uma sensação que existia algo que se passava com você. Ali, de repente, ela olhou para mim e seus olhos encheram-se de lágrimas. E ela chorou por uns minutos e eu não sabia mais o que fazer. O toque físico aqui é interpretado como invasão de privacidade e eu simplesmente toquei no dorso de sua mão. Ela ficou quieta e virou-se para mim e disse aquilo que nunca mais esquecerei. Ela disse: eu entrei neste bonde com meu coraçāo espatifado pois perdi meu pai há exatos dois anos e fazia este percurso de bonde com ele quando era pequena e ia a escola. Trouxe aqui comigo o caderno que usava e aqui dentro tem fotos dele. Estava tāo desencantada de tudo e do mundo e me sentindo tão só. Mas sua pergunta se eu estava bem resgatou-me do fundo deste poço e me trouxe de volta a margem. E eu lhe agradeço por isto. Neste momento ela levantou-se, olhou-me nos olhos e os fechou novamente. E disse-me: eu me chamo Beatrice e eu lhe agradeço por ter se preocupado comigo e, assim, ter trazido um pouco do meu pai para mim. E, num misto de envergonhamento e alívio, ela desceu do bonde. E ali fiquei olhando pela janela até vê-la dobrar a esquina. E então chorei. Nāo apenas pela Beatrice, por seu pai e seu caderno de fotos...mas também pelo caderno que levamos no coração e que, por estar tão bem escondido, não fica tão visível ao outro. Ali criou-se um laço de minutos mas que restaura e cura. Obrigada Beatrice por ter me resgatado, sem saber, para as margens...


Relato de Myrna Melo diretamente de Zurique


Imagem:
Hand-Painted Art Reproduction with Oil on Canvas
Dante Gabriel Rossetti
Tate Gallery London United Kingdom

Um comentário:

roberto nascimento disse...

Que estoria maravilhosa com simplicidade e ensinamento da vida com pequenos momentos que podemos viver que nos faz crescer. Parabens !

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