quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Conto de Natal (Parte II)

E assim continua a história de nosso amigo pinheiro...



Afinal, quando ia escurecendo, o trenó com a família e a árvore no reboque estacionou diante de um chalé coberto de neve. Um velho e uma velha saíram pela neve adentro e se aproximaram do reboque, exclamando? "Que árvore linda, linda, tão alta e tão cheia. Do tamanho exato. Perfeita."
"Ah", pensou o pinheiro, "como é bom ser bem-vindo. Eu me pergunto se este não é o lugar aonde alguns dos meus vieram ao longo dos anos. Ah, espero voltar a vê-los em breve".
 Os velhos o tiraram do reboque com mãos cuidadosas. Eles o admiraram, o afagaram, virando-o de um lado e do outro. Mergulharam o tronco cortado de árvore num balde de água fresca que aliviou grande parte de sua dor.
E quando apagaram os lampiões, o pinheiro, que amava a profunda escuridão da floresta, começou a amara também a escuridão daquela casa. Apesar de estar acostumado a ver o céu noturno inteiro, cheio de estrelas, e agora só enxergar um pedacinho de céu através de uma pequena vidraça na janela, havia uma estrela que cintilava mais do que as outras. Ao vê-la, o pinheiro pressentiu a promessa de que muito ainda estava por acontecer.
Com estes pensamentos, ele, como o restante da casa, logo adormeceu num sono profundo e feliz.
Bem cedo na manhã do dia seguinte, houve muito barulho e rebuliço com todo mundo se cumprimentando, se queixando e tagarelando. Alguém estava tirando a poeira do balde de aparas de lenha para enchê-lo ruidosamente. Os cachorros entraram latindo de alegria, seguidos pela crianças, depois a mãe e o pai, os mais velhos e também outras crianças e amigos, todos trazendo muitas caixas.
 A árvore esperava, literalmente prendendo a respiração de tanta emoção. As pessoas tiraram as tampas das caixas, e dentro delas havia enfeites de todos os formatos e tamanhos, feitos de vidro finíssimo. Havia guirlandas de frutinhas e velas com pequenos papeis coloridos em copinhos de vidro.
Em toda a sua volta, a árvore foi adornada e enfeitada com esses objetos. E depois, que maravilha! Dezenas de velas foram acesas, uma após a outra,e arrumadas em círculos e espirais até os galhos mais altos, deixando o pinheiro em glórias absoluta.
"Ah, isso é tudo o que os mais velhos lá na floresta descreviam, e muito mais", exclamou o pinheiro. Ele fez um esforço enorme para esticar ainda mais os seus galhos enquanto procurava ficar o mais bonito possível. as crianças gritavam e corriam ao redor, enquanto outros tocavam e cantavam; ah, que alegria, especialmente quando uma linda criança, erguida pelo avô, colocou uma estrela de papel no ponteiro bem no alto da árvore.
Naquela noite, depois que as crianças dormiram e o pinheiro cochilava, enquanto o brilho da grande estrela entrava pelas janelas, os mais velhos entraram furtivos na sala com presentes embrulhados em papel pardo liso e bonito, enfeitado com retalhos de pano que eles haviam unido com uma linha colorida de bordar. No consolo da lareira, puseram cavalinhos, porquinhos, patinhos e vaquinhas feitos de maçãs e laranjas, com gravetos enfiados no lugar das pernas, e olhos e focinhos esculpidos de modo a parecer que estavam sorrindo. E todos foram feitos com mãos cheias daquele tipo de amor que deseja surpreender e agradas as criancinhas.
Pela manhã, a árvore acordou sobressaltada quando as crianças entraram correndo, gritando e exclamando: "Ah, olhem como a árvore está linda, e os presentes ali embaixo". E elas abriram os embrulhos e exibiam belas bonecas de trapos com densas cabeleiras castanhas de lã e vestidos de crochê, feitos a mão. Em seguida, desembrulharam carroças feitas de restos de madeira com rodinhas que giravam de verdade.
Elas arrancaram as castanhas do pinheiro, e a árvore farfalhava os galhos, feliz por participar de tudo com que havia sonhado e muito mais.
Mais tarde, as crianças tiravam uma soneca no tapete e os adultos também cochilavam. Até mesmo os cães e os gatos estavam adormecidos, a sonhar. E o pinheiro refletia sobre seu destino incrível e sobre todos os acontecimentos do dia. Estava felicíssimo.
Naquela noite, quando todos estavam na cama e roncando baixinho - o cão e o gato, assim: zzzzzz; as crianças, assim: zzzzzzz: a mãe, o pai e os mais velhos, assim: ZZZZZZ - a árvore dormia profundamente e sonhava dom sua nova vida.
No dia seguinte e no outro, a árvore continuou orgulhosa na sala, embora estivesse um pouco desarrumada por ter todas as fitas arrancadas e porque sua estrela estava meio caída sobre um dos seus olhos. Apesar disto, tudo estava uma glória mesmo quando o pinheiro viu que a maioria das crianças e dos adultos subia nos trenós e ia embora. "Ora, estarão de volta hoje à noite", pensou o pinheiro, " e então vão mais uma vez pôr meu tronco machucado numa água fresca e nova. Vão me decorar de novo e a festa vai recomeçar".
O pai entrou então, com passos pesados, e tirou todos os enfeites do pinheiro, guardando-os em caixas com camadas de enchimento de algodão. Depois, tirou a árvore da água e a sacudiu com tanta força que qualquer outra coisa que pudesse estar escondida nos galhos cairia ao chão. ele deixou as guirlandas de frutinhas secas na árvore e a arrastou da sala.
O pinheiro apesar de surpreso com este tratamento grosseiro, ainda estava esperançoso." Ah, eu me pergunto para que sala iremos agora." Ele imaginou todo o processo jubiloso da decoração, das crianças dançando e de todos cantando, e suspirou ao pensar nisso tudo.
O pai, no entanto, arrastou de maneira descuidada o pinheiro pela escada de madeira acima, que não parava de subir e cujos degraus iam se estreitando cada vez mais quanto mais eles subiam. E afinal, no patamar mais alto, o pai abriu uma pequena porta e, sem-cerimônia, jogou a árvore lá dentro. A árvore exclamou alarmada no que lhe pareceu um grande grito: " Que tipo de escuridão é esta?" Mas a verdade é que ninguém pareceu ouvir, pois o pai fechou a porta e desceu de volta pela escada.


Continua....


Estés,Clarissa Pínkola, O Jardineiro que tinha fé: uma fábula sobre o que não pode morrer nunca - Rio de Janeiro,: Rocco, 1996

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