quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Criado do Príncipe de Bokhara

Contar histórias, para mim, é uma necessidade. Sempre digo que elas se comportam como entidades, só se manifestam quando querem. Não adianta querer contar esta ou aquela para fazer bonito. A história tem que se mostrar em toda a sua grandeza e beleza indo além da performance do contador. Assim ela toca e faz alma. Esta apareceu hoje por aqui...


O CRIADO DO PRÍNCIPE DE BOKHARA

O Príncipe de Bokhara tinha um criado que, com medo de ser castigado por uma falta que cometera, afastou-se e permaneceu escondido no  Kuhistão, no deserto, durante dez anos. Findo este período, incapaz de suportar por mais tempo a falta de seu senhor e de seu lar, decidiu voltar para Bokhara, ajoelhar-se aos pés do Príncipe de Bokhara e submeter-se a qualquer castigo que este quisesse infligir-lhe. Seus amigos fizeram o possível para dissuadi-lo, afirmando-lhe que a cólera do príncipe ainda não abrandara, e que se aparecesse em Bokhara seria condenado à morte ou atirado na prisão pelo resto da vida.
- Ó conselheiros, calem-se - disse ele - A força do amor que me conduz a Bokhara é mais forte do que seus conselhos de prudência. Quando o amor nos impele para algum lugar toda a sabedoria do m undo é impotente para vencê-lo. Se agradar ao meu senhor matar-me, entregarei minha vida a ele sem pena, já que a separação daquele a quem irei procurar agora é o mesmo que a morte, e a libertação que dela virá será minha eterna felicidade. Voltarei a Bokhara, lançar-me-ei aos pés do meu senhor e direi: " Faze comigo o que quiseres. Não posso mais aguentar tua ausência, e para mim a vida ou a morte em tuas mãos são a mesma coisa".
Coerente com seu pensamento, iniciou a viagem de volta a Bokhara, considerando doces e deliciosos a fadiga e os desconfortos da viagem, porque eram passos que dava em direção ao lar.
Quando chegou a Bokhara, amigos e familiares preveniram-no para que não se deixasse ver, pois o príncipe ainda não esquecera sua ofensa e o castigaria. Porém ele lhes respondeu da mesma forma que respondera a seus conselheiros anteriores: que agora sua vida lhe era completamente indiferente, e que resolvera submeter-se à vontade de seu senhor. Dirigiu-se à corte e arrojou-se aos pés do príncipe, desmaiando.
Vendo o amor que seu criado arrependido sentia por ele, o príncipe sentiu amor igual. Desceu do trono e, com clemência, fê-lo levantar-se do chão e perdoou sua falta. Desse momento em diante ambos viveram em harmonia para sempre.

Histórias da Tradição Sufi- Rio de Janeiro: Edições Dervish- Instituto Tarika, 1993

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