domingo, 27 de março de 2011

Eu e Fernando, o Pessoa


Tive um excelente professor de Literatura quando estava no cursinho. Como só professores de cursinho conseguem ser. Fazem cenas mirabolantes, cantam musiquinhas, tudo para nos prender a atenção e nos fazer memorizar coisas que esquecemos assim que prestamos vestibular. Aquele, entretanto, fez sobressair meu amor pelos autores portugueses. Os únicos que conseguem nomear este sentimento tão peculiar que é a saudade. Conseguem captar algo que sempre senti que é saudades de coisas que nunca aconteceram, da terceira perna que nunca tive...
Camões e Pessoa passaram a ser meus companheiros mais amados. Aprendi a analisar sonetos e a identificar heterônimos. O importante mesmo é que estes poetas ajudaram a tecer minhas paisagens internas e me acompanharam vida a fora em momentos de alegria e de profundo pesar. Há poemas que fazem parte de minha estrutura psíquica e os falo como resposta às perguntas dificeis que a vida me faz.
Pessoa e suas múltiplas pessoas sempre contemplam facetas minhas que chegam a ser antagônicas. Posso me reconhecer em Caieiro:



O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar.
..

Este de Fernando Pessoa, ele mesmo, parece me descrever:

Tenho tanto sentimento 
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem

É a que tem que pensar



Percebo que minha alma tem muito de Portugal em sua constituição...



Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...