quinta-feira, 8 de março de 2012

A Donzela que era mais sábia que o Czar

Desde pequena os contos de princesa me intrigavam: seriam elas tão tolas e desvalidas que sempre precisariam de um príncipe para salvá-las? Comeriam maças envenenadas distraidamente, dormiriam a espera de um beijo que as despertassem? Até que apurei os ouvidos , procurei e encontrei histórias onde, inequivocamente a princesa é a heroína, cumpre tarefas, enfrenta desafios e chega ao fim da jornada transformada pelo desenrolar de um caminho pessoal.  As exigências feitas às princesas não são de força física mas de uma capacidade interna de solucionar problemas e encontrar saídas criativas onde nada existe.  A jornada da princesa tem, portanto, particularidades bem femininas e  suas conquistas também. Príncipes, quando aparecem, são coadjuvantes. A protagonista da própria história é sempre a princesa. Podemos aprender muito com a suavidade, persistência, astúcia e perspicácia destas meninas.







A Donzela que era mais sábia que o Czar


        Era uma vez um homem pobre que tinha uma única filha.
Essa jovem era surpreendentemente sábia; parecia possuir uma compreensão muito acima do que seria de se esperar na sua idade e frequentemente dizia coisas que espantavam a seu próprio pai.
Um dia, quando estava sem um centavo, esse homem foi visitar o czar, para pedir sua ajuda.
O czar ficou atônito ao ver a forma refinada com que o homem falava, e perguntou-lhe onde havia aprendido aquelas frases.
— Com minha filha – respondeu o homem.
— Sim, mas onde sua filha aprendeu? – perguntou o czar.
— Deus e nossa pobreza a tornaram sábia – foi a resposta.
— Aqui está algum dinheiro para as suas necessidades imediatas – disse o czar, — e trinta ovos, para que você peça à sua filha, em meu nome, para que os ponha a chocar para mim. Se ela o fizer com êxito darei a vocês ricos presentes. Caso ela não o consiga, você será torturado.
O homem voltou para casa e deu os ovos para sua filha, que os examinou, pesando um ou dois em suas mãos, e assim ela se deu conta de que eram ovos cozidos. Disse ao seu pai:
— Pai, espere até amanhã. Talvez eu descubra o que se pode fazer.
No dia seguinte ela acordou bem cedo e, tendo pensado uma solução, ferveu algumas sementes. Colocou-as dentro de uma pequena bolsa e deu-a a seu pai, dizendo:
— Vá com o arado e os bois, pai, e comece a arar ao lado do caminho por onde o czar passa quando está indo à igreja. No momento em que o czar puser sua cabeça para fora da janela da carruagem você deve gritar: "Vamos, bravos bois, arem a terra para que essas sementes cozidas cresçam bastante!"
O pai fez o que sua filha havia dito, e conforme a previsão dela, o czar olhou o homem trabalhando pela janela da carruagem. Quando escutou o que ele gritava, disse:
— Homem estúpido, como você pode esperar que sementes cozidas produzam algo?
O homem, prevenido pela sua filha, gritou:
— Da mesma forma que ovos cozidos produzem pintos!
O czar então seguiu seu caminho, sabendo que a jovem havia sido mais esperta do que ele.
Porém as coisas não terminariam assim...
No dia seguinte o czar enviou fio de linho enrolado e embaraçado à casa do homem. O mensageiro disse:
— Este linho deve ser usado para fazer velas para o barco do meu senhor, e isto deve ser feito até amanhã. Caso contrário você será executado.
Chorando, o homem entrou em casa, mas sua filha lhe disse:
— Não tenha medo, pensarei em uma solução.
Na manhã seguinte ela se dirigiu a seu pai e entregou-lhe um pedaço de madeira, dizendo:
— Diga ao czar que se ele puder fazer todos os instrumentos necessários para fiar e tecer deste pedaço de madeira, eu farei o tecido para as velas com este linho.
O homem fez conforme a sua filha havia indicado, e o czar ficou ainda mais impressionado com a resposta da jovem. No entanto ele pôs uma pequena taça na mão do homem e disse:
— Vá, e leve esta taça para sua filha e peça-lhe para esvaziar o mar com ela, porque assim poderei aumentar meus domínios com novas pastagens.
O homem voltou para casa e deu a taça à filha, dizendo-lhe que o governante havia pedido novamente algo impossível de ser feito.
— Vá se deitar – disse ela. – Pensarei em algo, concentrando minha mente nisso toda a noite.
Ao amanhecer chamou o pai e disse:
— Diga ao czar que se ele puder represar todos os rios do mundo com este pedaço de estopa, então esvaziarei o mar para ele.
O pai voltou ao palácio e contou ao czar o que sua filha dissera. O czar reconhecendo que ela era mais sábia do que ele, pediu que ela fosse enviada à corte imediatamente. Quando ela se apresentou, ele lhe perguntou:
— O que é que pode ser ouvido a uma grande distância?
Sem vacilar, ela respondeu imediatamente:
— Somente o trovão e a mentira podem ser ouvidos desde os pontos mais distantes, ó czar.
Atônito, o czar segurou sua própria barba, e virando-se para os cortesãos lhes perguntou:
— Quanto acham que vale a minha barba?
Todos começaram a calcular o que pensavam que a barba valia, dando-lhe preços cada vez mais altos para adular sua Majestade. Então o czar perguntou à donzela:
— E você, minha criança, quanto você acha que vale a minha barba?
Os cortesãos aguardavam atentos a resposta.
— A barba de Vossa Majestade vale três chuvas de verão.
O czar muito surpreendido, disse:
Você respondeu corretamente. Eu me casarei com você e farei de você minha esposa hoje mesmo.
E assim a jovem se tornou a czarina. Mas assim que as bodas terminaram ela disse ao czar:
— Tenho um pedido a fazer. Conceda-me a graça, escrita com letra de sua própria mão, de que se você ou qualquer um da sua corte desgostar-se comigo, e eu tiver que partir, me será permitido levar comigo aquilo de que eu mais gostar.
Encantado com a bela donzela, o czar pediu uma pena e um pergaminho e imediatamente escreveu, selando o documento com o seu anel de rubi, tal como ela havia solicitado.
Os anos se passaram com muita felicidade para ambos. Um dia, porém, o czar teve uma acalorada discussão com a czarina e, irritado, ordenou:
— Vá embora! Desejo que deixe este palácio para nunca mais voltar.
— Então irei embora amanhã – disse a jovem czarina, obedientemente. – Permita-me somente passar a noite aqui para preparar meu regresso a casa.
O czar concordou e, antes de deitar-se, tomou a bebida de ervas que ela sempre preparava para ele. Assim que a bebeu o czar caiu adormecido. A czarina levou-o para a carruagem real, e partiram para a cabana de seu pai.
Quando amanheceu o czar, que havia dormido tranquilamente a noite inteira, despertou olhando desconcertado ao seu redor.
— Traição! – gritou. – Onde estou e de quem sou prisioneiro?
— Meu, Vossa Majestade – respondeu a czarina docemente. – O documento escrito por sua própria mão está aqui.
E lhe mostrou o pergaminho onde ele havia escrito que se ela tivesse que sair do palácio poderia levar aquilo de que mais gostasse.
Quando o leu, o czar riu de coração, e declarou que seu afeto por ela ainda era o mesmo.
Ao que ela respondeu:
— Meu grande amor por você, ó czar, me fez assim tão audaciosa. Mas, se arrisquei a minha vida, isso demonstra o quanto amo você.
E foi assim como eles se uniram novamente e viveram felizes para o resto de suas vidas.

História reproduzida do livro Histórias da Tradição Sufi

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