quinta-feira, 17 de março de 2011

Os três cabelos de ouro


As histórias parecem ter vida própria e todo contador tem suas preferidas. Eu, particularmente, gosto daquelas que acabam com um "Ah" de surpresa e assombro no final. Abrem a possibilidade do salto para o transcendente. A de hoje encontrei na "bíblia" da Clarissa Pínkola. Ela produz um efeito meio estranho de ir como uma onda que aquece dos pés à cabeça. Poderosa e curativa...

Os três cabelos de ouro


Uma vez, numa noite escuríssima e trevosa, o tipo de noite em que a terra fica negra, as árvores parecem mãos retorcidas e 0 céu é de um azul-escuro de meia-noite, um velho vinha cambaleando pela floresta, meio às cegas devido aos galhos das árvores. Os ramos arranhavam seu rosto, e ele trazia um pequeno lampião numa das mãos. A vela dentro do lampião tinha uma chama cada vez mais baixa. O homem tinha os cabelos amarelos e compridos, dentes amarelos e rachados e unhas amarelas e recurvas. Ele andava todo dobrado, e suas costas eram arredondadas como um saco de farinha. Sua pele era tão vincada que caía em folhos do seu queixo, das axilas e dos quadris.

Ele se apoiava numa árvore e se forçava a avançar; depois se agarrava numa outra para avançar mais um pouco. E assim, remando desse jeito e respirando com dificuldade ele ia atravessando a floresta.

Cada osso nos seus pés ardia como fogo. As corujas nas árvores piavam acompanhando o gemido das suas articulações à medida que ele seguia pelas trevas.

Muito ao longe, tremeluzia uma luzinha, um chalé, um fogo, um lar, um local de descanso; e ele se esforçava na direção daquela luz. No exato instante em que chegou à porta, ele estava tão cansado, tão exausto, que a pequena chama no seu lampião seapagou e o velho caiu porta adentro desmaiado.

Dentro da casa, uma velha estava sentada diante de uma bela fogueira e ela se apressou a chegar até ele, segurou-o nos braços e o levou mais para perto do fogo. Ela o abraçou como' uma mãe abraça o filho. Ela se sentou na cadeira de balanço e o embalou. E ali ficaram os dois, o pobre e frágil velhinho, apenas um saco de ossos, e velha forte que o embalava.

— Pronto, pronto. Calma, calma. Pronto, pronto. Ela o embalou a noite inteira e, quando ainda não havia amanhecido mas estava quase chegando a hora, ele estava extremamente remoçado. Ele era agora um belo rapaz, de cabelos dourados e membros longos e fortes. Mas ela continuava a embalá-lo.

— Pronto, pronto. Calma, calma. Pronto, pronto. E quando a manhã foi se aproximando cada vez mais, o rapaz foi se transformando numa linda criancinha com cabelos dourados trançados como palha de milho.

No momento exato do raiar do dia, a velha arrancou bem rápido três fios da linda cabeça da criança e os jogou nos ladrilhos. Eles fizeram um barulhinho.

Tiiiiiing! Tiiiiiiing! Tiiiiiiiiing!

E a criancinha nos seus braços desceu do seu colo e saiu correndo para a porta.

Voltando o rosto por um instante para a velha, o menino deu um sorriso

deslumbrante, virou-se e saiu voando para o céu para se tornar o brilhante sol da manhã.


4 comentários:

Blog do Desperdício disse...

É uma das minhas preferidas... Um dia mandei esta para levantar o astral de uma pessoa valiosa...como havia me levantado quando a li pela primeira vez...

Beijão

T. disse...

Adoro suas histórias, Cássia!
Beijo,
Talitha.

Bel disse...

que INCRÍVEL!!! que coisa linda...
acabei de ler essa história mesmo com um "Ahhh" bem comprido e um grande sorriso! Obrigada...
beijo
Bel

Unknown disse...

Que incrivel...consegui ouvir sua voz contando, cantando e incantando.
Bjs
Lisa

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