Madrugada de domingo. Treze de março. O telefone toca. Uma voz desalentada anuncia a perda do filho de uma de minhas irmãs de alma. O choque é tamanho que sinto a realidade se partir ao meio. Existe um mundo em que isto poderia acontecer e outro em que ele continuava bem, belo e jovem como era.
Vou para a casa deles e lá presencio uma das cenas mais comoventes de minha vida: a mãe, com toda a ternura que cuidou de seu menino, nascido do coração, pede ajuda para escolher a melhor roupa para que com ela fosse sepultado. Segura nas mãos os óculos destruídos no acidente. Enxergasse ele um pouco melhor estaria ali...
Tive que rever minha fé naquele dia. Desde sempre acreditei que as mães pediam por seus filhos e deveriam ser obrigatoriamente atendidas . Ninguém mais do que minha irmã estava em constante oração por seus queridos. Entretanto nada pode salvá-lo. Compreensão pequena a minha. Fé inexistente. Uma certa revolta foi tomando conta de mim e medo, muito medo se estávamos desamparados neste mundo hostil onde todo o tipo de desgraças pode acontecer.
Conviver com a morte aprendi desde o ventre de minha mãe, mas de um filho tão querido?!
Alguém me lembrou da história hindu em que a mãe com o filho morto nos braços procura Vishnu para implorar que ele o traga de volta à vida. O deus disse que o fará se ela lhe trouxer uma tigela de arroz doada por algum dos moradores de sua aldeia. A mulher se anima. Qualquer de seus vizinhos lhe faria a gentileza com prazer. O deus acrescenta que tal tigela deveria vir de uma casa em que nunca ninguém da família deveria ter sido tocado por Yama, o deus enlaçador da morte. Depois de percorrer todas as casas, apesar da boa vontade de seus moradores, a mãe retorna com as mãos vazia e prostrando-se diante de Vishnu entrega-lhe seu amado menino , tendo entendido que não há como fugir do ciclo de vida e morte e que sua dor era mais uma entre tantas.
Minha irmã, mais sábia e mais forte do que eu, continua sua vida ainda mais amorosa do que antes, com a certeza de que seu querido continua em sua jornada na direção da luz, ainda que numa outra dimensão. Sua fé a sustenta ajudando outras pessoas a fazer e aceitar a travessia.
Um comentário:
Nada que pudesse escrever aqui traduziria o que senti ao ler seu texto....só posso dizer, obrigada por fazer parte dessa história.
Um grande beijo, Zuleica.
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