Quinta-feira, como sabemos é dia de história. Para que servem elas? Em todas as tradições as histórias são contadas para reflexão e transformação de quem conta e de quem as ouve. Nas psicoterapias podem ser um poderoso aliado, uma vez que todo o processo é tecido através das histórias contadas e recontadas pelo paciente. O psicoterapeuta pode trazer aqui e ali ampliações e clarificações através de símbolos, mitos e contos. Encontrei há tempos um livro de Nossrat Peseschkian que fala exatamente das possibilidades das histórias como ferramentas no trabalho terapêutico. São contos orientais milenares que contém ensinamentos sábios e profundos.
Aqui vai a minha predileta:
O misticismo persa conta a respeito de um andarilho que caminhava penosamente ao longo de uma estrada que parecia interminavelmente longa. Ele estava oprimido por fardos de todo tipo. Um pesado saco de areia pendurado nas costas; uma grossa mangueira cheia de água enrolada em seu corpo. Em sua mão direita, levava uma pedra de formato irregular, na esquerda, um matacão. Em volta do pescoço, uma antiga pedra de moinho balançava amarrada por uma corda gasta. Correntes enferrujadas com as quais arrastava grandes pesos pela areia empoeirada estavam enroladas em seus tornozelos. Sobre a cabeça, o homem equilibrava uma abóbora meio podre. A cada passo que dava as correntes retiniam.Com queixumes e gemidos ele avançava passo a passo, maldizendo sua má sorte e a fadiga que o atormentavam. Um fazendeiro encontrou-se com ele no caminho, sob o escaldante calor do meio dia> perguntou o fazendeiro: " Ó. exausto andarilho, porque carregas contigo este matacão?". " Que terrível pateta," respondeu o andarilho, "mas eu não havia reparado nele antes!" Dito isso, jogou fora a pedra e sentiu-se muito mais leve.
Novamente, depois de ter percorrido um longo trecho da estrada, outro fazendeiro encontrou-se com ele e perguntou: "Dize-me, cansado viajante, por que te atormentas com uma abóbora quase podre na cabeça e por que arrastas atrás de ti aquelas pesadas bolas de ferro presas por guilhões?".
O andarilho contestou: " Estou muito grato por tu me teres feito perceber. Eu não me havia dado conta do que estava fazendo a mim mesmo." Assim, retirou as correntes e arrebentou a abóbora na valeta que margeava a estrada.Outra vez , sentiu-se aliviado. Porém, quanto mais caminhava, mais voltava a sofrer.
Outro fazendeiro, saindo do campo, observou-o com espanto e disse: "Ó, meu bom homem! Tu carregas areia no saco, mas o que teus olhos podem ver até o horizonte é mais areia do que tu poderias jamais carregar. E essa tua enorme mangueira cheia d'água - parece que desejas atravessar o deserto de Kanvir! A todo momento encontrarás correndo ao teu lado uma vertente límpida que te acompanhará por um longo percurso". Ao escutar isso, o viajante rompeu a mangueira e derramou sua água salobra sobre o caminho. Depois, cobriu um buraco com a areia de sua mochila. então permaneceu ali, pensativo, Enquanto observava o sol poente. Os últimos raios emitiam sobre ele sua luz. Ele então lançou os olhos sobre si próprio e, reparando na pesada pedra de moinho pendurada em seu pescoço, subitamente percebeu ser ela que o fazia andar assim tão curvado. Desvencilhou-se da pedra e a jogou tão longe quanto pôde dentro do rio. Liberto de suas cargas, perambulou adiante, no fresco entardecer, em busca de alojamento.
Peseschkian, Nossrat - " O mercador e o papagaio: Histórias orientais como ferramenta em psicoterapia" Campinas, SP; Papirus, 1992
4 comentários:
Pois então, Cassia das "perspicássias", como boa escorpiniana, também nado em águas profundas, não tão profundas que me impeçam de ouvir histórias, e as suas me cativaram! Grande abraço e um lindo dia de luz procê! Me visite no meu blog. Vou ficar feliz, feliz! Chama-se Linha d'água...(e poderia ser outra?)
Ah... Esta história refrescou o meu dia. Peraí que vou lá jogar no rio uma pedrinha... Beijos!
quantos pesos desnecessários carregamos, não é mesmo? adorei
Pois é grande mestra... me vi ali... ainda bem que me vi né...!!!
Ótimo blog, gosto muito de vc!
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