quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma história de abundância

Quando pequena amava histórias de escassez e abundância. Alguém em grande dificuldade encontra-se com um ser mágico que traz recursos inimagináveis: cavernas cheias de riquezas, potes que jorram mel infinitamente e por aí vai. Esta é uma história escocesa encontrada num livro muito precioso escrito por Jette Bonaventure, uma analista jungiana, que sabe trabalhar com contos como poucos. A solidariedade, gentileza, bondade e generosidade abrem as portas para que os tais recursos sejam descobertos.




Como a mulher do pescador salvou a criança da rainha dos elfos

Num dia de inverno, a jovem mulher de um pescador se curvou sobre o berço de seu filho. Fora, o vento soprava, o mar roncava, as ondas quebravam-se contra os rochedos, e a jovem chorava lágrimas quentes.
- Meu filhinho, meu solzinho - murmurava - como é que vamos viver, o que vai ser de nós, agora que o mar engoliu teu pai, nosso sustento de família?
No mesmo instante deu um pulo, porque acabara de ouvir na porta um leve toc-toc!
- Quem é? Quem está batendo? - disse assustada.
Abriu um pouco a porta e, à luz da lareira, percebeu uma mulherzinha muito pequenina, branca como uma estátua e que carregava uma criança nos braços. A desconhecida entrou na cabana.
- Ajuda-me, boa mulher - suplicou - estou doente e não me sinto mais capaz de manter sozinha minha criança em vida.
A mulher do pescador nem parou para pensar. Pegou nos próprios braços o neném, magrinho, vestido de seda verde e lhe deu de comer como se fosse seu próprio filho. Depois o colocou no berço ao lado de seu filho, reanimou o fogo, colocou o resto de farinha que lhe sobrava numa panela, juntando um pedaço de peixe, verduras e, num curto espaço de tempo, tinha cozinhado uma sopa de peixe muito apetitosa. Depois preparou uma cama para a dama e, um momento mais tarde, todo o mundo adormeceu na cabana. De manhã, um choro de criança acordou a mulher do pescador. Deu uma olhada para a cama vizinha e teve um momento de espanto. Não havia mais rastro da visitante. Se não tivesse ouvido o choro do bebê, pensaria estar sonhando. Com um suspiro, pegou as duas crianças e lhes deu de comer como se fossem gêmeos. Tendo-os deixado satisfeitos, ela examinou a cabana e nem podia acreditar no que estava vendo: na mesa, havia uma travessa cheia de farinha branca, um pão bem douradinho, manteiga fresca e mel tão bom que nunca a pobre mulher havia saboreado algo parecido. Abaixo da coifa da chaminé estava pendurado um presunto defumado cujo cheiro gostoso enchia toda a casa, dando água na boca da moça. Agora levou o olhar em direção ao banquinho e viu roupas novas em cima, roupas de menino e roupas para uma menina, todas de seda e lã bordadas, leves como papel. "Só pode ter sido a rainha dos elfos", pensou a mulher do pescador. A partir desse momento, não se conhecia mais a miséria na cabana. As crianças bem nutridas, cresciam como plantinhas. A menina tinha a carinha branca e rosa e os seus olhinhos brilhavam como a água de um lago.
Uma noite, o verão estava chegando, a mulher do pescador procurava fazer dormir as crianças cantando uma canção, quando ouviu na porta um leve toc-toc! A jovem mulher se levantou, entreabriu a porta e de novo se encontrou na frente de uma mulherzinha vestida de seda verde. A visitante sorriu para ela e seus olhos verdes brilhavam como as estrelas da noite.
- Vim agradecer-lhe, pois nos salvou, a minha filha e a mim, devolvendo-nos a vida. Agora estou vindo para retomar a minha filha, mas peço-lhe insistentemente que venha comigo, assim como seu filho. Não tenha medo, todos vão estar de volta amanhã.
Esta vez tampouco a mulher do pescador parou para refletir. Vestiu rapidamente uma roupa, envolveu seu filho num pano e seguiu a dama até a montanha. Atravessaram uma floresta escura e acabaram chegando até um arbusto. Dentro dele abriu-se de repente um tipo de passagem. Esta foi se afastando diante delas e uma porta de ferro se abriu. Elas entraram e o arbusto se fechou atrás. A grama pisoteada se reergueu como se ninguém nunca tivesse passado por ali. A rainha dos elfos guiou a mulher do pescador através de um campo cheio de plantas. Havia árvores com frutas doces, que saíam delas gotas de mel. O trigo amadurecia nos campos, as espigas eram maiores do que um homem de estatura normal, e se dobravam como se fossem cabeças cheias de cabelos. Do castelo real ouvia-se uma música às vezes alegre, às vezes melancólica, fazendo os elfos dançarem suas danças imemoráveis. A mulher do pescador não sabia o que mais a deixava maravilhada: os tapetes e as cortinas eram espessos como a espuma do mar, as decorações das salas vinham de todos os cantos do mundo e eram suntuosas... A rainha os levou até à mesa principal, oferecendo-lhes pratos e bebidas como nunca tinham saboreado antes e como, sem dúvida, nem se encontram na mesa de um rei. Enquanto isso, as crianças dormiam num berço de ouro, decorado com pedras preciosas e panos de seda. Sem dúvida ambos tinham lindos sonhos, pois sorriam de bem estar no seu sono. De manhã, a rainha dos elfos agradeceu mais uma vez a mulher do pescador.
- Agora temos de nos separar - disse - mas nunca vou esquecer a sua bondade. Quero que fique com uma lembrança de mim. Acho que o melhor serviço que posso lhe prestar é que você nunca possa ver o fundo de seus pratos, pois sempre estarão cheios de boas coisa. Você e seu filho não devem conhecer nunca o que é a fome. Além do mais, vou lhe dar outro presente. Vou preparar um recipiente, cheio de remédios que as pessoas não conhecem. Tem propriedades tais que curam feridas e osso quebrados. Mas você e seu filho nunca vão precisar deles. Agora vão embora e vivam em paz e com bondade.
Nesse instante o palácio real desapareceu dos olhos da mulher do pescador, e o denso arbusto se fechou de novo. Encontrava-se com seu filho na montanha escura e apressou-se a voltar para casa. A reputação do bem que a mulher do pescador fazia com os remédios, os unguentos e as ervas logo se espalhou pela redondezas. De manhã até a noite e, frequentemente, da noite até de manhã, a jovem curava feridas e doenças. Salvou mais de um paciente da morte e continuava sempre tendo bastante remédio tanto para os ricos como para os pobres que ela, além do mais alimentava na sua mesa. Apesar de tudo o que era utilizado em sua casa, sua mesa e suas prateleiras permaneciam abarrotadas de alimentos.
Assim, a mulher do pescador, seu filho e mais tarde seus netos viveram com boa saúde até a velhice. Em toda a costa não se conhecia melhor médico do que o filho da mulher do pescador, e sem dúvida nunca se conhecerá um melhor.

Bonaventure, Jette - Variações sobre o  tema mulher - São Paulo, Paulus, 2000

2 comentários:

Samira disse...

Que bela estória...srs

Ariane disse...

Mas o que será que ela fez para merecer essa bênção? Na verdade, não precisamos fazer nada para sermos abençoados, né? rs Linda história.

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