Saudade sentimos todos os dias: de nossos amados que se foram, dos amores que passaram, dos dias luminosos da infância, dos anos dourados da juventude... Sentimos um saudade imensa de nós mesmos em diferentes momentos de indubitável intensidade. Só em nossa língua tão rica temos uma palavra para nomear este sentimento. Talvez porque nossos ancestrais desbravadores do mar salgado navegassem transpassados por ele, bem como os que deixavam em terra. Nossos poetas cantam nostalgias e saudades com maestria, revelam a falta dos que se foram para outras terras, outros mundos, outros corações.
A um ausente
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.
Carlos Drummond de Andrade
3 comentários:
Querida amiga...para mim, saudade é outra forma de habitar o tempo.
Grande beijo e que venham muitos anos de suas perspicácias!
Tenho muita saudade...assim como você amo esta palavra que representa este sentimento tão profundo, às vezes repassado de tristeza, às vezes repleto de alegria...Lembra do que a nossa querida amiga nos disse há tanto tempo? "às vezes tenho saudade de coisas que ainda não aconteceram..."
É já senti isso também...
Super beijo
Puxa, que lindo poema! Adorei a postagem. Esta semana a Maya aprendeu o significado da palavra saudade... ela me falava há dias de um sentimento persistente, e tentava me explicar. Até que eu compreendi e disse "isso é saudade". Está crescendo rápido... Beijo!
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