segunda-feira, 24 de outubro de 2011

João Cabral de Melo Neto , Drummond e o guarda-chuva

Poesia é um dos portais que mais nos aproxima da alma. Sons descortinam imagens internas e ampliam nossas paisagens banhando-as com uma luminosidade sempre nova a cada vez que nos encontramos com o poeta amado. Quando um fala com outro então...

A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.


Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.


Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro 
estações, dos quatro pontos cardeais.


Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.


Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.

João Cabral de Melo Neto

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